Redação

Preso ontem no Rio, sob a acusação de liderar uma organização criminosa que recebeu mais de R$ 50 milhões de propina, o prefeito afastado Marcelo Crivella disse que é “inocente” e que tem a “consciência tranquila”.

Na audiência de custódia que manteve sua prisão, Crivella afirmou à desembargadora Rosa Helena Guita que, no fim de seu mandato, tem sentimento de “dever cumprido”. Foi Rosa Helena quem determinou a prisão do prefeito e de mais seis acusados de integrar o grupo criminoso.

“COM O CORAÇÃO” – Com citações a Deus e à família, Crivella afirmou que enxugou gastos públicos, exaltou medidas de sua gestão e disse que apurou todas as denúncias que chegaram a ele “com o coração” e “com todo interesse”.

“Soube que houve delações de pessoas que tiveram que pagar vantagens para alguém para receber, ou coisas do tipo. Lamento profundamente, porém, nada, absolutamente nada tenho a ver com essas coisas. Todas as denúncias que me chegaram eu apurei com todo coração, com todo interesse”, afirmou à desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio.

Em contraste à denúncia do Ministério Público, que o levou para prisão, o prefeito afastado descreveu uma rotina austera, em que usava as próprias milhas de companhias aéreas para fazer viagens a Brasília, em que tratou de assuntos da capital fluminense. Fazia isso, disse ele, para “dar exemplo”.

DANDO O EXEMPLO – “Tenho a consciência tranquila de que não autorizei, participei ou recebi qualquer vantagem. Evitei, inclusive, morar na casa da Gávea (residência oficial do prefeito do Rio), nunca fretei avião para viajar, não usei helicópteros, não promovi festas. Várias vezes, até viajei para Brasília com milhas, minhas próprias. Também, nunca cobrei da prefeitura. Às vezes, tive que ficar em hotéis em Brasília para resolver questões do Rio de Janeiro, num esforço que fiz, com todas essas medidas, para dar exemplo, para que as pessoas pudessem ter uma atitude coerente em respeito ao eleitor e ao povo da cidade do Rio de Janeiro2, afirmou.

Crivella, no entanto, disse que embora tenha dado exemplo, “talvez alguém tenha fugido” de suas orientações. “São quase 20 anos de vida pública. Fui ministro, senador duas vezes. Nunca sofri nenhuma denúncia, nunca fui réu em nenhum processo. Se aconteceram coisas na minha administração, lamento profundamente, mas me fugiram. Eu, por mais que desse exemplo, por mais que administrasse e falasse com eles, talvez alguém tenha fugido”, disse.

AFASTAMENTO –  O prefeito afastado relatou que, quando soube do chamado “QG da propina”, afastou o presidente da Riotur, Marcelo Alves. Crivella, no entanto, não citou o nome do ex-funcionário e de nenhum investigado. Marcelo Alves é irmão de Rafael Alves, apontado como principal operador do esquema de arrecadação de propina na gestão Crivella. Segundo o Ministério Público, mesmo sem ter cargo na prefeitura, Rafael dava até expediente na Cidade das Artes, onde funciona a Riotur, em uma sala ao lado da do irmão.

“Quando me chegou ao conhecimento esse assunto do QG da propina, na mesma hora afastei o presidente da Riotur e fiquei surpreso, porque, quando eu assumi, as despesas com o Carnaval eram R$ 70 milhões. Agora, no último ano, fizemos o carnaval sem um tostão de recursos públicos, embora tenha sido uma dificuldade imensa negociar isso”, afirmou.

APELO – Crivella fez um apelo para que a desembargadora quebre seu sigilo telefônico, fiscal e bancário. Pediu ainda que ouça secretários que trabalharam com ele e questione sobre sua conduta como prefeito.

“Peço à senhora que tenha a paciência com meu desabafo. Mas, para mim, é um momento de imensa tristeza, como foi para a senhora, a minha prisão, porque nada fiz para que essas coisas horríveis acontecessem. Mais uma vez peço à senhora que, por favor, quebre todos os meus sigilos, telefônico, bancário, fiscal, e a senhora verá, nesses quatro anos, que não acrescentei um centavo no meu patrimônio”, disse.

EXPECTATIVA – No fim da audiência de Crivella, a desembargadora Rosa Helena disse que espera “de todo coração” que as acusações contra o prefeito “não sejam confirmadas, porque tudo que o povo carioca quer, que o povo brasileiro quer é que seus representantes zelem pelos seus direitos”.

Em sua audiência, o prefeito afastado também exaltou ações de sua gestão, como a renegociação das tarifas de ônibus e a cobrança de mais de R$ 140 milhões de multas de empreiteiras que executaram obras das Olimpíadas de 2016. No mesmo dia que Crivella foi para atrás das grandes o Superior Tribunal de Justiça converteu sua prisão em domiciliar.


Fonte: O Globo