Por Aderson Bussinger –
Antes de adentrar na eleição da OAB-RJ, pretendo aqui fazer uma breve introdução sobre a instituição OAB.
Pois bem, embora sua origem se reporta a 1843, quando foi criado o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), do qual tenho a honra de também ser membro) e que já previa em seu estatuto a criação de uma Ordem dos Advogados, a OAB foi criada por Getúlio Vargas em 18 de novembro de 1930, por meio do Decreto nº 19.408, sendo atualmente regida pela Lei 8.906, de 4 de julho de 1994, o Estatuto da Advocacia nacional. E que, portanto, não é uma entidade do denominado movimento social, ou mesmo genuinamente da sociedade civil, dado sua origem estatal, diferente, por exemplo de um sindicato, associação ou ONG, sendo necessário que se tenha claro do que estamos tratando.
Isto minimamente situado, temos que, desde sua criação, além da defesa da atividade profissional da advocacia, seleção e fiscalização de seus membros, sempre foi constante e salutar sua atuação político-institucional, o que não se confunde com a atuação partidária, comitês eleitorais de candidaturas municipais, estaduais ou federais, vinculação a um partido político ou sua instrumentalização por estes, que consiste – os diversos tipos de aparelhamentos de entidades-, em fenômenos e atividades de outra natureza e totalmente diferentes da atuação institucional de um conselho de representação da advocacia, de cunho nacional ante os fatos históricos de sua época e que marcam sua existência.
Foi assim que em 1932, recém-criada, a OAB emprestou seu importante apoio á Revolução Constitucionalista, de aspiração democratizante da velha república, e, na sequência, nomeou diversos representantes das profissões liberais na Assembleia Constituinte de 1934, pois inclusa, naquela ocasião, no texto constitucional elaborado pelos constituintes da época esta modalidade de representação profissional-parlamentar. Outrossim, desrespeitada a própria constituição de 34, já em 1937 a OAB se opôs com toda coragem e energia ao arbitrário Estado Novo, combatendo suas ações repressivas, o que levou para cadeia, inclusive, muitos advogados, como aconteceu com a prisão, em 1944, do Advogado Adauto Lúcio Cardoso, membro da Ordem. Mas não foi só.
Em 1936, o Conselho Federal da OAB, sem ter qualquer vinculação ideológica comunista ou muito menos com a extinta URSS, designou o advogado católico Sobral Pinto para defender o ex-capitão de comunista Luís Carlos Prestes e o militante também de esquerda e estrangeiro, Arthur Ewert, ambos dirigentes do Partido Comunista do Brasil, após a derrota da Intentona Comunista. E quando veio finalmente o fim do Estado Novo, a OAB acabou sendo citada na Constituição de 1946 por assumir o papel de reconstrução da democracia no Brasil, o que foi um justo reconhecimento.
E, em seguida, não se passaram nem 20 anos de Estado de Direito inaugurado em 46, veio o nefasto golpe militar de 1964, (embora nossa entidade tenha apoiado nos seus primeiros anos), a OAB passou a lentamente a se opor ao regime de arbítrio instalado, sobretudo após o AI-5 de 1968, e, em 1972 assumiu definitivamente a postura de rompimento contra a ditadura e a favor da redemocratização. Foi assim a denominada “Declaração de Curitiba”, reunida em Congresso nacional naquela cidade paranaense, em 1 de junho de 1972, em plena ditadura, que marcou a posição pelo restabelecimento do Estado democrático, sendo que em suas Conferências seguintes, como 1974, 1978 e 1982, a OAB reafirmou sua contrariedade ao regime militar, o que bem sabemos foi essencial para que conseguíssemos restabelecer as eleições diretas e depois conquistar a constituição de 1988, com seu destacado rol de direitos fundamentais e sociais, além de trazer no art. 133 o preceito da indispensabilidade da advocacia para administração da justiça, sendo, com isto, a única profissão dotada de um artigo exclusivo na constituição federal.
No período mais atual, protocolou em 1992 pedido de impeachment de Collor de Mello, juntamente com a ABI, na gestão de Marcelo Lavenère, assim como também protocolou pedido em favor do afastamento da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, na gestão do amigo Advogado Claudio Lamachia, do qual, este último, divergi por tal iniciativa, mas nem por isso fiquei seu inimigo. E em 2017 a OAB também pediu desta vez o impeachment de Michel Temer, sem êxito, como é sabido. E registre-se que, no recente governo do Ex-Presidente Jair Bolsonaro, embora eu creio que o ex-presidente Felipe Santa Cruz tivesse, em suas convicções, esta vontade, contudo, não houve, neste caso, pedido de impeachment aprovado pelo Conselho Federal, o que também divergi, sendo que, eu próprio fiz questão de subscrever posteriormente pedido coletivo de impeachment que hoje resta adormecido, arquivado, nas gavetas da Câmara dos Deputados.
Mas porque fiz afinal esta retrospectiva nacional e tais considerações sobre a natureza da ordem, para tratar das eleição da OAB-RJ?
Quero aqui dizer, neste conturbado ano de 2024, em véspera de mais uma eleição seccional no Rio de Janeiro, que a OAB é fundamentalmente e, pela natureza e trajetória da profissão que representa, plural, complexa e repleta de tensões, como é a própria advocacia, e que não é possível analisar a política desta quase secular instituição com os mesmos critérios que se analisa as disputas sindicais, partidárias, ou eleitorais, de modo geral, sendo incontestável que suas disputas eleitorais não se dão entre esquerda e direita, que são categorias políticas e sociológicas que, (embora evidentemente presentes na advocacia), não pautam o seu debate eleitoral interno. E, apenas para citar um exemplo, nem mesmo quando, em 2007, na primeira eleição de Wadih Damous, – um advogado trabalhista notoriamente alinhado com a esquerda e filiado ao PT- sua campanha eleitoral á presidência da seccional fluminense, da qual participei ativamente, não foi baseada nesta suposta divisão ideológica, mas sim em um amplíssimo, multitudinário e difuso movimento de democratização da entidade, com a presença de diversas lideranças liberais, ao lado de advogados de esquerda, comunistas, independentes, religiosos e não religiosos, que juntos pregavam uma “nova oab”, de “portas abertas para sociedade”, em relação ás mazelas do período anterior. E muitas promessas de estímulo á profissionalização, via ESA, barateamento das custas judiciais, e apoio a advocacia do interior do Estado, cujas duas gestões de Wadih realmente cumpriram esta promessa, deslocando o eixo das prioridades administrativas da seccional mais em direção das subseções, sobretudo as mais longínquas, o que, como então conselheiro vinculado á Subseção de Nova Friburgo, fui testemunha.
Trazendo a análise para os dias atuais, poderemos ter doravante na OAB-RJ realmente uma nova fase, que, caso a Chapa-1 venha vencer no dia 25/11, conduzirá pela primeira vez na história da OAB-RJ,(antes e depois da fusão dos Estados da Guanabara e Rio de Janeiro) uma mulher ao cargo de presidente da entidade, fato realmente inédito e relevante, através da eleição da Advogada liberal Ana Tereza Basílio, após seis anos de vice-presidência de nossa entidade, sob a presidência do igualmente advogado liberal Luciano Bandeira, ou seja, o que, além do ineditismo, significa também dizer a Dra. Ana já vinha antes caminhando conosco no rumo que todos nós, oriundos do movimento de antes de 2007, sempre reivindicamos, com exceção daqueles que nos deixaram nos últimos 6 meses, para virem a formar uma chapa de oposição, embora saídos da mesma gestão, em cargos e espaços, inclusive, de notório destaque.
Enfim, é evidente que, com o ingresso de novos setores que antes ausentes na direção da entidade, teremos algumas mudanças, destaques, visões diferenciadas sobre este ou aquele tema, mas, como disse no início deste texto, a OAB é tão plural como a advocacia que representa, com centenas de milhares de advogados e advogadas trabalhistas, civilistas, criminalistas, dos mais variados ramos da advocacia, que refletem os mais variados espectros políticos e expressão de segmentos sociais, pequenos, médios ou grandes escritórios, assim como advogados empregados, sejam profissionais vinculados á classe trabalhadora, sindicatos, associações, como eu, sejam vinculados ás empresas, grandes, médias e pequenas, ou ao meio acadêmico, como outros colegas, para citar apenas alguns extratos sociais, (estão todos estes setores, em maior ou menor grau, aglutinados em torno da Chapa1) e francamente não acredito que teremos retrocessos, pois temos assentado o compromisso público da candidata Ana Basílio em dar continuidade e aprimorar os trabalhos da comissão direitos humanos, como de todas as comissões que se ocupam da efetivação da dimensão e missão social da OAB, comissões de direito do trabalho, sindical, Lawfare, memória, educação, mentoria, direito do consumidor e outras tantas, ao lado das estruturas regimentais e estatutárias voltadas para o que chamo de “dever de casa” da instituição, que são a Comissão de Prerrogativas, inscrição e o TED- Tribunal de Ética e Disciplina. E tudo isto, acrescente-se, em um contexto de uma advocacia que, devido ao contexto social e econômico, – não posse deixar de destacar- exigirá cada vez mais assistência aos jovens advogados(as), além de suporte tecnológico em face do processo judicial eletrônico e todas as inovações tecnológicas que vem mudando a face do judiciário.
Eu não tenho dúvida de que a Gestão de Ana Tereza, caso saia vitoriosa das urnas, terá certamente um perfil mais corporativo, voltado para os temas específicos do exercício profissional e assistência da advocacia, mas isto não quer dizer que não estarão também presentes todas as acima mencionadas linhas e diretrizes de atuação que dizem respeito ao compromisso institucional e social da OAB com a Democracia e o Estado de Direito, como já, por diversas vezes, ouvi da própria candidata Ana Tereza, seja nesta campanha, e, mesmo antes, enquanto Diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da seccional, durante a atual gestão, ou como conselheiro na gestão anterior, pois posso afirmar, com segurança, que Ana Basílio nunca se opôs ás iniciativas progressistas e democráticas que levamos nas duas últimas gestões, das quais nos orgulhamos e, por isso, sentimos confiança em seguir ao seu lado. E não atoa é apoiada pelos três ex- presidentes a partir de 2007, Wadih Damous, Felipe Santa Cruz e Luciano Bandeira, além de também contar com o apoio dos ex-presidentes Otavio Gomes e o nosso Mestre Nilo Baptista, que, especialmente, estará representado na atual executiva por um de seus mais destacados e talentosos discípulos, o Advogado criminalista Rafael Borges, no cargo de secretário-geral, em uma executiva formada também pela Professora Silvia Drummond,como vice e Sérgio Antunes, secretário-adjunto (os dois novatos na direção, ex-candidatos da oposição na eleição passada), e Fabio Nogueira, tesoureiro da atual gestão, caso seja esta chapa venha a ser escolhida pela advocacia fluminense, assim como no Conselho Federal teremos a presença da ex-presidente do IAB, Dra. Rita Cortez, como conselheira federal, advogada trabalhista cujas credencias democráticas e progressistas qualificam ainda mais nossa representação.
Por fim, encerro este texto, dizendo aos que nos dirigem ataques absurdos e injustificados, que a OAB não é, “nem de longe”, o CFM, onde o discurso anti-vacina infelizmente tomou conta de suas instancias, bem como condenamos todo tipo de extremismo, relembrando que a OAB-RJ já foi, no passado, durante o regime militar, vítima também da explosão de uma bomba em sua antiga sede, colocada por terroristas de direita, ceifando a vida da funcionária Sra. Lida Monteiro, sendo certo que este fato, por si só, representa e espelha o compromisso maior de seguirmos lutando contra todo e qualquer extremismo que coloque em risco o regime democrático e, com isso, a advocacia, que, como sabemos, não pode existir em regimes fascistas, de arbítrio e autoritarismo.
Vamos ás urnas em 25 de novembro! E que façamos apenas o debate e não a “guerra” entre nós advogados e advogadas.
ADERSON BUSSINGER CARVALHO – Advogado sindical, Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFF, membro do IAB, ABRAT, ABJD, Diretor do Centro de Documentação e Pesquisa da OAB-RJ, Diretor da AFAT- Associação Fluminense de Advogados Trabalhistas. Colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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