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EDITORIAL – Assim morrem as democracias
Editorial

EDITORIAL – Assim morrem as democracias

Apertem os cintos, o piloto sumiu! Esta é a sensação que tenho, ao testemunhar a zorra institucional na qual parecemos definitivamente atolados. Das relações internacionais brasileiras até a operação da administração da justiça, do manejo da economia até a gestão trivial do orçamento público, passando pelo clima de briga de rua entre a cúpula do Legislativo e o Supremo Tribunal Federal, é confusão demais para que não se perceba o grave problema institucional que vive o Brasil.

O que são as instituições? Para que servem? Como devem operar? Parecem três perguntas cujas respostas básicas precisamos recuperar, sob pena de aprofundarmos o caos e a baderna que nos dominam há um grave tempo.

A história do constitucionalismo nasce da vontade dos homens de regrar e limitar o poder absoluto dos tiranos. A ideia é substituir o arbítrio por regras legitimadoras da conduta dos dirigentes do estado e proteger as maiorias contra os abusos – tendência natural do exercício sem regras do poder.

Segurança jurídica é o termo mais moderno para definir o estado mental de coletividades administradas em bases democráticas, assentadas no estado de direito e não na vontade “livre” dos titulares do poder. A lei, e não a prepotência, ou mesmo o despotismo esclarecido, deve ser o mapa estrito a balizar a relação dos poderosos com a cidadania.

Muito sangue rolou para que o pensamento político liberal acabasse por se impor como valor definitivo no regramento do exercício do poder, e na construção de um conjunto de valores balizadores da política. Esta mesma eleita como linguagem definitiva e única da construção e operação do poder, em lugar da força e da violência.

Esta construção de séculos está ampla e generosamente descrita em um sem-número de compêndios e autores, de maneira a não restar dúvida sobre os conceitos, sobre a práxis, nem sobre a experiência histórica da humanidade.

Muito menos dúvida resta sobre determinados valores, em especial se postos em contraste com certas vulgaridades trágicas de atuais autoridades brasileiras.

O presidencialismo à brasileira é uma engenhoca feita para não funcionar. Uma cópia desastrada do intransplantável modelo norte americano, que o golpe de 1889 consolidou em nossa primeira constituição republicana, a de 1891, e que, contra todas as evidências, seguimos repetindo até hoje.

O problema é profundo e conceitual. A incapacidade que temos de encará-lo, de forma minimamente séria, o vai desdobrando em vilanias, confusão e baderna. E em caos institucional cada vez mais grave e renitente.

A velocidade e a complexidade dos negócios de estado em tempos de globalização financeira e de instabilidade internacional crônica, ao menos em matéria de interdependência de mercados globais, exige uma capacidade de resposta do Executivo que não permite, sequer, que se considere noite e dia, dado que dia no Japão (semana passada mostrou isto) é noite aqui.

É da natureza do parlamento, no mundo inteiro, muito especialmente, aqui, por debilidades bem nossas, que ele seja lento em suas decisões. Eis o primeiro problema. Falta de velocidade no desenho institucional para produzir respostas rápidas e eficientes para problemas que jamais poderiam ter sido imaginados por Montesquieu, Benjamin Franklin ou Tocqueville.

O modelo de presidencialismo que adotamos tem um problema mais estrutural ainda que a velocidade incompatível com os novos tempos. Trata-se do defeito congênito, deste tipo de institucionalidade, de um poder do estado ter o monopólio da feitura do desenho das leis -de todas elas- mas não ter nenhuma responsabilidade com sua execução.

Dou exemplo prático desta insuperável contradição institucional. Eu era deputado federal e assisti a aprovação, em menos de um mês, de duas decisões completamente incoerentes entre si, e cuja repercussão, eu diria, sentimos até hoje. (Pouco importa quantos discursos veementes eu fiz, na época, ao lado de outras poucas vozes).

Refiro-me à decisão, premida pelo lobby empresarial, de revogar a CPMF, subtraindo, a valores históricos, nada menos do que R$ 70 BILHÕES da receita pública. Isso com o aplauso unânime da mídia subornada.

Dias depois, a mesma legislatura entendeu oportuno e justo, regulamentar a Emenda 29, obrigando o Executivo a “gastar” mais R$ 70 BILHÕES no financiamento da saúde pública. Mais uma vez, aplauso unânime dos mais diversos setores.

Não resta agora fazer juízo de valor sobre a “justeza” de uma ou de outra providência. A questão central é como produzir o milagre de, simultaneamente, diminuir arrecadação e aumentar gastos. Este típico atentado à aritmética básica é inerente ao presidencialismo, mas entre nós tomou contornos de tragédia corrupta e demagógica.

Temos portanto um grande problema, e sair dele não será fácil. A raiz dele é que nosso povo votou, diretamente, em plebiscito pelo presidencialismo. Minha formação jurídica e minha consciência de democrata, me ensinam que o poder constituinte derivado que tem o Congresso, não pode avançar contra decisão do poder constituinte original que é o povo, mesmo através de emenda. Só uma nova consulta direta poderia modificar esta decisão. Até lá, é tarefa do chefe de estado colocar ordem nessa baderna.

Outra fragilidade da institucionalidade presidencialista: esquizofrenicamente, é dupla e distinta a tarefa do presidente da República. Ele é a um só tempo, chefe do governo (no parlamentarismo esta tarefa é de um primeiro-ministro) e chefe de estado.

Luiz Inácio, nosso presidente, nunca foi capaz de entender esta distinção profunda entre suas tarefas, por vezes contraditórias. Preferiu sempre deixar por menos. O mensalão evidenciou isto. O petrolão aprofundou e manualizou o patrimonialismo, e o aliciamento corrupto pelas emendas parlamentares se firma, agora, como o novo normal no manejo de tão graves questões.

A nomeação de compadres para as cortes de justiça avança para aviltar o último refúgio de uma cidadania cansada de crer e se decepcionar. No vácuo da política, magistrados invadem áreas que não são de seu métier, e não é mais a boa aplicação da lei, para respeito de todos, o de que se trata, mas de a quem servem as decisões oportunistas, no mundo faccioso da politicagem!

E assim morrem as democracias.

Autor: Ciro Ferreira Gomes, advogado, professor universitário e político brasileiro, filiado ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), do qual é vice-presidente, também é membro do Conselho consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

DANIEL MAZOLA – Jornalista profissional (MTb 23.957/RJ); Editor-chefe do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Consultor de Imprensa da Revista Eletrônica OAB/RJ e do Centro de Documentação e Pesquisa da Seccional; Membro Titular do PEN Clube – única instituição internacional de escritores e jornalistas no Brasil; Pós-graduado, especializado em Jornalismo Sindical; Apresentador do programa TRIBUNA NA TV (TVC-Rio); Ex-presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI); Conselheiro Efetivo da ABI (2004/2017); Foi vice-presidente de Divulgação do G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (2010/2013). 

SIRO DARLAN – Advogado e Jornalista; Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Ex-juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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