Por Lincoln Penna –
No instante em que se aproxima a transferência de governo não é possível deixar de comentar tal fato. Para isso recorramos à história.
Há dois presidentes, entre outros poucos, que não passaram a faixa presidencial. O mais recente, Jair Bolsonaro, teve a companhia de um outro no início da República, Floriano Peixoto. Ao mencioná-los como tendo tido atitudes reprováveis ou no mínimo descorteses para com os seus sucessores é bom que se conheçam as motivações dos dois por ocasião do ato de transmissão.
No caso de Bolsonaro não há dúvida de que houve duas motivações para fugir da solenidade de posse: a de que fizera passar aos seus adeptos mais entusiastas que jamais permitiria a volta do PT e especialmente de Lula à presidência, se dependesse dele. De modo a alimentar a convicção de que seria possível honrar esse compromisso; e, a outra não assumida publicamente, a de abandonar o seu mandato ainda levando consigo as prerrogativas garantidoras de imunidade por conta de uma provável prisão em virtude de atos e decisões passíveis de processos na justiça.
No que diz respeito à decisão de Floriano de não comparecer à posse de Prudente de Moraes, a decisão tomada teve como motivação evitar um constrangimento para si e para o seu sucessor. Esta situação derivara da iniciativa dos florianistas, grupo de admiradores do marechal a instituir um ano depois de sua morte um grêmio cívico com o seu nome para reverenciar sua memória. Esse grupo preparara uma espécie de levante contra Prudente de Moraes no dia da posse de modo a impedi-la e com isso proclamar a continuidade de Floriano. Seu governo foi tão atribulado e austero a ponto de ter levado o epíteto de Marechal de Ferro em razão de medidas firmes e autoritárias por ele adotadas.
Sabedor, no entanto, desse intuito de seus fanatizados seguidores, o presidente em exercício como costumava se intitular por conta de ter assumido o cargo após o afastamento de Deodoro resolveu evitar que sua presença pudesse criar um ambiente hostil a quem pessoalmente e até politicamente não tinha maiores desavenças. Afinal, na eleição dos constituintes em 1891, Floriano concorrera como vice de Prudente, e só se elegeu porque à época e até 1960 os votos dos eleitores eram dados separadamente a presidente e a vice. Ganhara Deodoro e Floriano, os dois de chapas opostas.
Exemplos de atitudes que além de distintas foram marcados por decisões que correspondem a dois impulsos. O do ódio e desprezo pelos que se batem nos processos políticos e são considerados inimigos e não adversários como reza os processos da democracia política, e que não tolera os seus ritos normativos da vida pública do regime republicano, Exemplo de Bolsonaro.
O outro, é o exemplo da atitude de respeito a decisões eleitorais emanadas do povo. Por sinal, naquela oportunidade tratava-se da primeira eleição com participação do povo, não importa se de uma fração pouco representativa desse povo, fato que aliás acompanhou toda a trajetória da Primeira República, a Velha, no dizer dos que a interromperam de certa maneira em 1930.
É interessante que apesar dos dois casos terem sido protagonizados por dois presidentes egressos dos meios militares – e poderíamos acrescentar o do último presidente da ditadura, João Figueiredo, que também se recusou a passar o governo a José Sarney, então vice eleito a assumir em razão da morte de Tancredo neves, – não é possível igualá-los só porque foram militares. Cada um desses exemplos derivou de decisões bem pensadas e diferenciadas.
Essa ressalva acima se faz necessária porque há quem, inclusive colunistas de respeito e alguns até imortais, que comparam simplesmente a truculência de Bolsonaro a de Floriano ou a de qualquer liderança nacional ou internacional considerando-as mais do que autoritárias. Um deles chegou a integrá-los na horda dos cafajestes.
Logo, um pouquinho de conhecimento de nossa história não faz mal a ninguém que queira expressar suas opiniões. E ao fazê-las demonstrar respeito não apenas aos seus leitores, mas também aos personagens de nossa história.
Nesses dois casos em tela, por mais que tenhamos sérias e justificáveis restrições pelo fato de terem sido responsáveis por condutas autoritárias, torna-se necessário distinguir o joio do trigo, para usar um dizer corrente. O joio escapou e deixou suas tribos ao leu. O trigo permanece polêmico junto aos que se dedicam à reconstituição de nossa história, mas honrou como pode a liturgia do cargo.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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