Redação

O acordo de delação da Odebrecht — o maior da história da Justiça brasileira — foi homologado há quatro anos, mas até hoje gerou mais inquéritos engavetados do que ações penais. Em abril de 2017, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, distribuiu 286 investigações pelo país, com base nas informações obtidas, mas apenas 47 (16%) resultaram em acusações na Justiça.

De acordo com levantamento feito pelo site The Intercept Brasil, apenas sete dessas acusações geraram sentenças. Isso representa menos de 2,5% dos casos delatados por executivos da empreiteira. Ao menos 77 casos — pouco mais de um quarto deles — foram arquivados ainda na fase de investigação.

Além disso, 118 pedidos de investigação surgiram na expectativa de comprovar apenas o crime de caixa dois — recebimento, sem declaração, de doações em campanhas eleitorais — e não o de corrupção, que consiste no recebimento de vantagem ilegal para atuação em favor de um interesse privado. Até este ano, outras 22 apurações acabaram distribuídas à Justiça Eleitoral.

Falta de provas
Os próprios integrantes da força-tarefa da “lava jato”, responsável pelas apurações, admitiam e reclamavam das inconsistências nas provas fornecidas até a véspera da assinatura do acordo.

Durante a negociação, a Odebrecht entregou apenas resumos escritos da proposta de delação, nos quais apontava os supostos crimes e figuras envolvidas. Já haviam sido disponibilizadas, também, planilhas da contabilidade paralela da empresa, mas não haviam documentos que confirmassem as irregularidades.

Em 28 de novembro de 2016 — a três dias de firmar o acordo — a procuradora Anna Carolina Resende identificou vários furos nos dados de corroboração: “Em síntese, praticamente não vi ainda comprovantes das operaçoes financeiras, basicamente há apenas planilhas sobre os pagamentos”, disse ela, em uma das mensagens obtidas pelo Intercept.

Os procuradores se preocupavam com a falta de clareza nas declarações de Emílio Odebrecht, comandante da empreiteira. Mas Resende considerava que o acordo seria útil para mostrar envolvimento do ex-presidente Lula: “Vai dar para ferrar Lula com força”, afirmou ela em 29 de novembro daquele ano.

Resende considerou que os termos apresentados por Emílio eram muito ruins: “Quem for participar das oitivas vai ter que tirar leite de pedra”. Ela mesma apontou que os dados de corroboração seriam “basicamente agendas”.

“Nelas há muita informação boa, mas precisamos de outros elementos que demonstrem os deslocamentos do colaborador, que comprovem que os assuntos tratados foram atendidos. Acredito que o acordo dele será decisivo para lascar lula, mas vamos precisar de mais alguns elementos de corroboração. Por isso, penso que vale a pena uma atenção especial”, assinalou a procuradora.

Além disso, os procuradores também tinham ciência da falta de relatos quanto à prática de corrupção. No dia 28 de novembro, o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, questionou se haveria uma lista que separasse os casos de caixa dois e corrupção. Resende respondeu: “Deltan, não dá para fazermos isso agora porque os colaboradores ainda confundem muito corrupção com caixa 2”.

Sem indícios nem acesso
A fragilidade das acusações ocorria muitas vezes devido a depoimentos divergentes entre os colaboradores, o que muitas vezes foi constatado pela Justiça. Isso resultou no arquivamento de inquéritos contra figuras como o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE); o senador Eduardo Braga (MDB-AM); o ministro Vital do Rêgo Filho, do Tribunal de Contas da União; o ex-ministro e ex-parlamentar Aloizio Mercadante, do PT; e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).

O fracasso da delação passa também pela falta de acesso integral aos sistemas de informática usados pelos dirigentes e funcionários da Odebrecht nos pagamentos clandestinos. A empresa usava o Drousys como sistema de comunicação interna do grupo e o MyWebDay para guardar os dados da contabilidade paralela.

Durante a negociação, os delatores alegavam que o sistema MyWebDay havia sido destruído e não podia mais ser acessado. Os procuradores pediam que eles tentassem recuperar o material, quando na verdade já haviam conseguido acesso a ele por meio de um acordo informal com o Ministério Público da Suíça.

Quando o acordo foi assinado, em dezembro de 2016, os procuradores não tinham acesso pleno aos sistemas, mas os usavam apenas para consultas. O conteúdo do MyWebDay era inacessível, já que precisava de senhas para quebrar a criptografia e elas estavam perdidas. O problema só foi resolvido em 2018, mas, mesmo depois disso, pelo menos quatro investigações foram engavetadas pela demora.

A Procuradoria-Geral da República e o Ministério Público Federal no Paraná não quiseram se manifestar ao Intercept. O núcleo da “lava jato”, atuante no Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPF, também ficou em silêncio, com a justificativa de que os acordos e investigações teriam sido conduzidos pela PGR.


Fonte: ConJur