Redação

A liminar do Supremo Tribunal Federal que restringiu as operações policiais no Rio de Janeiro a casos “absolutamente excepcionais” enquanto durar a epidemia do coronavírus reduziu as mortes causadas por agentes de segurança em 34%, salvando pelo menos 288 vidas em 2020.

Os dados são do estudo Operações policiais e violência letal no Rio de Janeiro: os impactos da ADPF 635 na defesa da vida, feito pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF).

Em 5 de junho de 2020, o ministro Edson Fachin concedeu liminar para limitar, enquanto durar a epidemia de Covid-19, as operações policiais em favelas do Rio a casos excepcionais, devendo ser informadas e acompanhadas pelo Ministério Público. A decisão foi confirmada pelo Plenário do STF em agosto.

O Supremo promove nesta sexta-feira (16/4) e na segunda (19/4) audiência pública para discutir estratégias de redução da letalidade policial no Rio de Janeiro. Os debates ocorrem no âmbito da ADPF 635.

No relatório, o Geni-UFF afirma que a decisão do STF “foi a medida de preservação da vida contra a violência letal mais importante dos últimos 14 anos no estado do Rio de Janeiro”. Em 2019, policiais mataram 1.643 pessoas no estado — o recorde da série histórica do Instituto de Segurança Pública do Rio.

No ano passado, a projeção era de que agentes de segurança assassinassem 1.375 pessoas. Porém, com a liminar do Supremo, o número de mortes foi de 1.087. Dessa maneira, “pode-se afirmar que a restrição das operações policiais salvou, ao menos, 288 vidas em 2020”, diz o grupo de estudos.

Segundo o relatório, no ano passado houve uma redução de 59% no número de ações policiais em relação a 2019. As 320 operações são o menor número da série histórica que começou em 2007 e ficam abaixo da média anual de 808. O número de feridos em operações diminuiu 60%, e o de mortos, 61%.

Em 2019, indica o Geni-UFF, a polícia foi responsável por 35% dos homicídios ocorridos na Região Metropolitana do Rio — no Brasil, esse índice foi de 13%. No ano de 2020, o percentual no Rio caiu para 31%. Contudo, a razão de mortos por operações policiais foi reduzida em apenas 3%, ficando em 50%. Ou seja, em cada duas operações houve uma morte.

Conforme o grupo de estudos, havia uma tendência de diminuição deste indicador que foi drasticamente revertida em 2019 “por uma orientação política deliberada e explícita de estímulo à letalidade policial”. Neste ano, Wilson Witzel assumiu o governo do estado, e Jair Bolsonaro, a Presidência da República. Ambos já deram diversas declarações em apoio ao uso da força por policiais e contra os direitos humanos.

“Os agentes policiais foram encorajados a atuar de maneira brutal por meio de declarações públicas de autoridades, que colaboram para crescimento da letalidade policial observado. No entanto, nos parece que o dado mais significativo foi a extinção da Secretaria de Segurança, o que inviabilizou o controle político da autoridade eleita sobre as ações policiais, conferindo maior autonomia às polícias e enfraquecendo os controles internos das mesmas, fato reforçado por um controle externo praticamente inexistente. Nesse contexto, a restrição das operações policiais diminuiu de forma importante o número de operações e, consequentemente, a letalidade policial, mas não logrou diminuir a letalidade das operações policiais que ocorreram em 2020”, aponta a pesquisa.

O relatório também destaca que, em 2020, houve uma queda de 39% dos crimes contra o patrimônio e 24% dos crimes contra a vida. Conforme o Geni-UFF, a queda do número de operações policiais não resultou em aumento das ocorrências criminais, mas a sua diminuição. Outro estudo do grupo ressalta que operações policiais são ineficazes para o controle do crime e indutoras do aumento das mortes no Rio de Janeiro.

“Por um lado, as incursões policiais em territórios conflagrados acirram os conflitos entre os grupos armados (facções do tráfico de drogas e milícias) que disputam esses territórios, à medida que a atuação estatal enfraquece alguns grupos, favorecendo a expansão de outros. Este problema parece ser agravado pela discricionariedade concedida às equipes policiais para realizarem operações sem solicitar autorização ou prestar contas ao governo do estado do Rio de Janeiro, o Ministério Público ou a sociedade civil, o que propicia o uso da força estatal para a obtenção de vantagens particulares por parte de indivíduos ou grupos dentro das instituições policiais”, argumenta o grupo.

“Por outro, seguindo as conclusões do estudo realizado pelo Centro de Pesquisa do Ministério Público do Rio de Janeiro, que apresentou procedimentos metodológicos e resultados muito próximos do estudo citado, a falta de efetividade das operações policiais em diminuir os crimes contra o patrimônio poderia ser explicada pelo direcionamento de suas ações contra os lugares onde se imagina que moram os criminosos e não para a prevenção orientada nos lugares recorrentes dos crimes”.

Razões da violência
Para o Geni-UFF, o alto número de mortes decorrentes de operações policiais no Rio é consequência do despreparo das forças de segurança para a atuação em áreas urbanas, sobretudo em favelas. “Isso se evidencia na escolha de meios operacionais inadequados, a imperícia nos disparos de arma de fogo, a falta de preparação e organização tática, dentre outros elementos próprios das ações de polícia”.

Outro fator que impacta a quantidade de homicídios é a falta de responsabilização legal dos agentes policiais que praticam abusos ou o uso ilegal e criminoso da força. Tal aspecto “estimula a ampliação e perpetuação da violência policial, além de aumentar a alimentação recíproca entre a violência policial e o desvio de suas funções para a obtenção de vantagens privadas”, afirma o relatório.

Queda e ascensão
O Geni-UFF informa que houve dois momentos desde a liminar proferida por Edson Fachin em 5 de junho de 2020. Nos quatro primeiros meses (junho a setembro), a decisão parece ter sido razoavelmente cumprida. No entanto, no segundo momento, que se inicia em outubro, a liminar passou a ser “sistematicamente violada”, com o aumento de operações e mortes.

“Para o conjunto das instituições do Estado de Direito, o descumprimento de uma decisão da mais alta corte do país é crime passível de responsabilização, por outro, seus impactos serão a volta de uma política baseada em operações policiais, que já se demonstrou historicamente letal para a população negra, pobre e residente em favelas, além de ineficaz para o controle do crime.”

O estudo foi elaborado pelos pesquisadores Daniel Hirata, Carolina Grillo, Renato Dirk, Diogo Lyra e Julia Sampaio.

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Fonte: ConJur