Por Miranda Sá –
Fica difícil desenvolver o tema sem separar duas justiças, a Justiça Aplicada, dos tribunais, órgãos burocráticos de governo composto de juízes e promotores nomeados para interpretar a Lei; e a Justiça Teórica, segundo Adeodato (que os acadêmicos de Direito conhecem), “a virtude moral que rege o ser espiritual no combate ao egoísmo biológico, orgânico, do indivíduo”.
Na Justiça Aplicada, a apreciação de processos de partes em litígio, casos e pessoas, é sempre uma balança que, em tese, deveria manter o equilíbrio entre as pretensões e interesses conflitantes na vida social da comunidade.
A Justiça Teórica foi aquele passo à frente para a civilização, criada dos primeiros impérios da Antiguidade. O exemplo disto está nos contos das Mil e Uma Noites, que levou o lendário califa Harun al-Rashid à ficção.
O Califa, de acordo com historiadores, é o símbolo da Era de Ouro Islâmica. Reinou de 786 e 809, quando a Europa vivia mergulhada na Idade Média, e o Islã atravessava uma era marcando economicamente a fartura de bens materiais e o desenvolvimento cultural nos campos da Arquitetura, da Ciência com a pesquisa e tradução para o árabe das grandes obras do grego clássico, hindu e persa.
Com uma formação intelectual vasta, abrangendo economia, geografia, história, música, poesia e religião, Harun fundou a lendária biblioteca Bayt al-Hikma (“Casa da Sabedoria”) em Bagdá, e lá costumava imitar Salomão, presidindo julgamentos.
Nas Mil e Uma Noites fictícias temos a história de que ele sonhou que lhe apareceu um anjo e levou-o para o céu e lá chegando disse-lhe: – “Califa, concedeste liberdade a nove prisioneiros a pedido de amigos e familiares, mas restou um na prisão; Alah intervém por ele”.
No amanhecer do dia seguinte, Harun al-Rashid chamou o Vizir, e perguntou se havia alguém na prisão. – “Há um peregrino que foi preso junto a nove malfeitores e se diz inocente” falou o ministro.
– “Traga-o a minha presença”…. E quando o prisioneiro chegou, o Califa ordenou que falasse, ouvindo dele a história de que os policiais haviam perseguido uma quadrilha de dez indivíduos, mas um escapou e eles temeram ser acusados de ter facilitado a fuga; então prenderam-no para completar a conta, e ele que não teve quem apelasse por ele.
A historieta das Mil e Uma Noites conta que Harum sentiu a sinceridade dos inocentes no rosto e na voz do preso; ordenou a sua soltura, oferecendo-lhe um café da manhã com frutas, leite, mel, pães e queijos. Depois mandou-o banhar-se e receber roupas adequadas para conviver na sua corte para onde foi convidado.
A Justiça do esplendoroso reino de Harun al-Rashid teve uma intervenção divina para ser cumprida libertando um preso sem culpa.
Aqui no Brasil, nos dias atuais, os juízes não ouvem Deus, adoram o Bezerro de Ouro, como se vê, assistindo-se envergonhadamente um ministro do 5TF, Dias Toffoli, sentenciar em defesa dos corruptos e corruptores condenados pela Lava Jato.
Não há qualquer explicação para isto, a não ser o acumpliciamento de quem esteve envolvido nas tramoias do lulopetismo com as empreiteiras, tendo sido denunciado como usufruidor de propinas da Odebrecht sob o codinome “Amigo do Amigo do Meu Pai”.
Assim temos a Justiça dos Juízes, que vem degradando o conceito de Justiça, com ardis como o que permitem cônjuges e parentes de magistrados advogarem causas que eles julgam; e, no caso insólito de Toffoli, foi a mulher dele a autora da defesa.
A revoltante decisão monocrática de suspender o pagamento das multas reconhecidas pelos corruptos e corruptores exige a convocação do coletivo para derrubá-la. Não o fazendo o presidente da Corte passa a ser cúmplice da Injustiça.
MIRANDA SÁ – Jornalista profissional, blogueiro, colunista e diretor executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã; Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo. mirandasa@uol.com.br
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