Por José Carlos de Assis

Acabo de escrever um livro, “A Economia Brasileira Como Ela É”, rememorando quatro décadas de subordinação do Brasil ao Fundo Monetário Internacional. Foram anos trágicos para a sociedade brasileira.

Regredimos em quase todos os campos, exceto por alguns avanços conjunturais na área social nos governos do PT. Contudo, não se criaram fundamentos estruturantes tanto para a política social quanto para a infraestrutura econômica. Com isso, os governos Temer e Bolsonaro ficaram com as mãos livres para radicalizar nas políticas regressivas inspiradas pelo FMI.

Por coincidência, o governo argentino acaba de fazer agora o que aponto, no livro, como a única saída para que o Brasil quebre as cadeias de um estrangulamento econômico de fundo essencialmente ideológico: rompeu com o FMI, aderiu ao BRICS e está dando um “cavalo de pau” na economia. É uma virada histórica, que poderá arrastar para um destino de retomada para a prosperidade toda a América Latina. Para o Brasil poderá ser um momento fantástico, a despeito de Bolsonaro e Guedes, pois as condições internacionais também nos empurram para uma ruptura com o FMI.

É que a guerra na Ucrânia coloca para nós a inevitabilidade de nos aproximarmos dos BRICS, por uma razão contraditória: investimos em excesso no agronegócio, nos tornando dependentes dele, e, agora, em plena crise mundial de grãos, temos que contar com a oferta de fertilizantes russos (e eventualmente também ucranianos, se conseguirem nos exportar) para continuarmos a plantar. A oferta mundial de insumos agrícolas é limitada.

Os russos, a despeito de todas as sanções que lhes estão sendo impostas pelo ocidente, nesse campo dão as cartas.

Reunião dos líderes dos Brics (Reprodução)

Bolsonaro, que não é propriamente um gênio estratégico, está prisioneiro de suas redes políticas primitivas de base: seus principais apoiadores são os homens do agronegócio, oportunistas e sem escrúpulos quanto aos interesses nacionais de fundo, sendo completamente indiferentes às razões geopolíticas que justificam as sanções que o governo Joe Biden impõe à Rússia. Com isso, portanto, não há como o Brasil acompanhar os norte-americanos nas sanções contra os russos. A consequência é a adesão plena aos BRICS, reforçando, com a Argentina, a América Latina no bloco.

Não esperava que meu livro poderia sair numa hora mais oportuna. Claro, não estou satisfeito com isso porque a oportunidade vem com uma guerra que é fruto de um erro de cálculo de Vladimir Putin em relação à capacidade da Ucrânia de resistir a uma invasão. Com essa resistência, a guerra pode durar anos, reconfigurando completamente a geopolítica mundial, e uma de suas consequências imediatas é a volta da guerra fria. Dessa vez, porém, ficamos ao menos do lado dos orientais, o que não é nada mau: saímos da órbita secular do domínio norte-americano.

Escrevi o livro pensando num acerto de contas com os neoliberais. Nesse caso, foi uma iniciativa conjunta com o grupo de economistas do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD) e da Teoria Monetária Moderna (TMM), que trouxeram para o Brasil o que há de mais avançado nos Estados Unidos em termos de propostas fiscais-monetárias, em contraposição às sugestões tradicionais do Fundo.

São as políticas inspiradas nessas propostas que nos poderão tirar de uma crise fiscal inventada por economistas conservadores, cultores do neoliberalismo.

Em essência, a TMM nos diz que o Estado nacional não tem limites para gastar em sua própria moeda desde que a economia tenha recursos suficientes para atender à demanda em insumos para bons projetos governamentais e privados. Isso rompe com um dos maiores preconceitos fiscais difundidos pelo neoliberalismo, e que está na origem de nosso atraso econômico. Submetido a preconceitos como este, o governo Temer paralisou investimentos prioritários (Comperj, Abreu e Lima) e o governo Bolsonaro mandou fechar a única fábrica de semicondutores do Hemisfério Sul.

A paralisação do Comperj e de Abreu e Lima, em 2016, está nos custando agora uma tremenda escassez de derivados de petróleo, sobretudo de diesel. O fechamento, por Paulo Guedes, por medida de economia, do Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Avançada) -, a única fábrica de microprocessadores do Hemisfério Sul, instalada no Rio Grande do Sul -, não só nos deixou privados de microchips, essenciais para a construção de bens e serviços eletrônicos, como nos colocou na mesma condição de muitos outros países onde quebrou a cadeia produtiva desses elementos industriais.

O fato é que tivemos, sob o controle do FMI, uma política de destruição. É o momento de escaparmos dessa saga trágica, e começarmos o processo de reconstrução. A Argentina está dando o exemplo. É o primeiro passo. A prioridade é de natureza ideológica. Escapar dos fetiches do neoliberalismo, cuja política econômica se restringe à insistência no corte dos gastos públicos, na realização de superávits primários e na submissão a tetos de gastos.

Tudo isso não passa de pretextos ideológicos para concentração de renda e riqueza nas mãos de uns poucos.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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