Por Luiz Carlos Prestes Filho –

Em entrevista exclusiva para o jornal Tribuna da Imprensa a compositora Marisa Rezende afirmou: “Acho que no Brasil nunca foi fácil ter uma política cultural realmente preocupada com a sobrevivência e renovação dos nossos valores. Foi sempre aos solavancos. Houve períodos melhores, e agora estamos provavelmente no pior de todos.” Para a compositora:

“Há críticos que prestaram bons serviços à causa da música contemporânea. Lembro dos bons tempos com Ronaldo Miranda como crítico do Jornal do Brasil, Clóvis Marques, Luiz Paulo Horta, Mauro Trindade, entre vários outros aqui no Rio. Em São Paulo, João Marcos Coelho, João Luiz Sampaio, Irineu Franco Perpétuo, Sidney Molina, Camila Fresca, entre outros, são atuantes e influenciadores. A equipe da revista Concerto, sob a direção de Nelson Kunze, desempenha papel importante no registro e crítica do que se faz em música contemporânea no Brasil.”

Marisa Rezende começou a estudar piano aos 5 anos de idade com Marieta de Saules. Concluiu o nível médio em 1961, pela Academia Lorenzo Fernandez. Em 1963 entrou para o curso de Composição na Escola Nacional de Música (hoje, Escola de Música da UFRJ). No mesmo ano estreou como concertista, interpretando obras de Bach, Liszt, Chopin e Henrique Oswald no Palácio Capanema. Entre 1964 e 1966 morou em Boston, EUA, onde nasceram suas duas filhas mais velhas. De volta ao Rio de Janeiro, em 1968, nasceu sua filha caçula. Em 1972, mudou-se para o Recife. Apresentou-se diversas vezes como solista com a Orquestra Sinfônica do Recife. Concluiu a graduação e foi novamente para os EUA, onde terminou mestrado em piano na Universidade da Califórnia, Santa Barbara, com Prof. Erno Daniel em 1976. Durante o mestrado, escreveu suas primeiras composições: Trio para oboé, trompa e piano e Trio para violino, violoncelo e piano. De volta ao Recife, ensinou matérias teóricas como professora da UFPE. Na década de 1980, ao lado da carreira acadêmica, intensificou sua atuação como compositora e concertista. Em mais uma ida para Santa Barbara concluiu o seu doutorado em composição sob orientação de Prof. Peter Fricker em 1985, com um amplo portfólio de obras, entre as quais cita-se Sexteto em seis tempos e Concertante para oboé, piano e orquestra. Em 1987, tornou-se professora titular de composição da UFRJ. Em 1992 foi Visiting Researcher Fellow da Universidade de Keele, Inglaterra, onde trabalhou com Prof. John Sloboda. Aposentou-se da vida acadêmica em 2002, e a partir de então recebeu várias encomendas de obras orquestrais, também das Bienais de 2011, 2013 e 2015. Foi uma das fundadoras da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música. Criou na UFRJ o Grupo Música Nova, dedicado ao estudo e à interpretação da música brasileira contemporânea. Fundou também o Laboratório de Música e Tecnologia, em 1995 juntamente com Prof. Rodolfo Caesar. (Wikipédia)

Luiz Carlos Prestes Filho: Música de Concerto, Música Erudita ou Música Clássica? Música Eletrônica, Música Eletroacústica ou Música Acusmática?

Marisa Rezende: Essas denominações, inclusive Música Contemporânea e Música Acadêmica, têm suas limitações, mas ainda assim são usadas. As que melhor se encaixam no que faço são música contemporânea ou de concerto.

V FMCB – Concerto de encerramento – Teatro Castro Mendes Campinas. Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas, regência Victor Hugo Del Toro – execução de Vereda – Marisa Rezende, 2018. (Foto Juliana Hilal)

Prestes Filho: Seu primeiro instrumento foi o piano. Como este instrumento influenciou a sua trajetória e obra? Como sua professora – Marieta de Saules – influenciou seus futuros caminhos? A pianista Marisa Rezende foi importante para o surgimento da compositora Marisa Rezende? O piano fez você “achar a sua voz”?

Marisa Rezende: O piano é um instrumento de grande extensão, que permite a quem o toca a emissão de muitos sons simultâneos, agregando sons graves aos muito agudos se for o caso, num simples toque das mãos. Ele é extremamente inspirador para uma compositora. Também o fato de que grande parte do repertório é tocado de memória acaba criando uma impregnação na mente que repercute adiante, de alguma forma. Como comecei a tocá-lo cedo, e de ouvido, acredito também que esse fato abriu a minha escuta musical e me trouxe uma familiaridade com ritmos, harmonizações e a construção do todo, ainda que despretensiosamente. Marieta de Saules, professora incrível que me deu um conjunto valioso de ensinamentos, repetia sempre que, para se fazer algo bem feito em música há que respeitar o tempo de amadurecimento do que se estuda, sem se deixar atropelar pela pressa. Estudei com ela dos 5 aos 20 anos, quando sai do Rio de Janeiro.

Ela me preparou com carinho e seriedade, me deixando inclusive com vários concertos para piano e orquestra prontos no repertório.

Concerto no auditório da FINEP, Marcos dos Passos (clarineta) e Marisa Rezende (piano) e compositor Caio Senna, 2008

Prestes Filho: Você começou a estudar música muito cedo. Teve origem familiar este seu interesse? Como a música aconteceu para você?

Marisa Rezende: Minha mãe estudou piano, mas era meu pai quem tocava bastante, de ouvido, sem nunca ter estudado. Dele veio o exemplo e a motivação para o tocar, e dela a disciplina do estudo.

Marisa Rezende – Concerto em sua homenagem

Prestes Filho: Porque a decisão de estudar composição na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)? Curioso que somente 13 anos depois você escreveria as primeiras composições: “Trio para oboé, trompa e piano” e “Trio para violino, violoncelo e piano”. Porque essa distância de anos entre os estudos e a realização das primeiras peças? Quais seriam as principais fases de sua trajetória?

Marisa Rezende: Fui estudar composição porque era isso que eu queria!! Ainda lembro de meu pai perguntando como eu ia ganhar a vida! Aconteceu que, depois de ter cursado 3 semestres na EM/UFRJ, eu me ausentei do Brasil por quatro anos, e depois me mudei para Recife, também durante a graduação. O que era para ter sido feito em seis anos demorou onze anos. Escrevi outras peças, durante a graduação em composição sim, que eram mais exercícios do que obras propriamente. E ficaram guardadas na gaveta. Foi só durante o mestrado na Universidade da Califórnia em Santa Bárbara que vivenciei o ciclo completo da composição, da escrita da obra, à sua apresentação pública. Decorre daí a inserção dos dois trios citados como meu opus 1. Completo a minha trajetória, citando etapas da vida profissional e acadêmica: a primeira, como docente da Universidade Federal de Pernambuco (1977- 1987), a volta para o Rio de Janeiro, quando me tornei professora titular de composição da EM/UFRJ, em 1987.

Nesse meio tempo, houve o mestrado do qual falei acima, depois o doutorado também na mesma instituição (1982-1984), e um pós-doutorado na Universidade de Keele, Grã-Bretanha (1991 -1992).

Execução da obra ‘TRAMA’ da compositora Marisa Rezende

Prestes Filho: Qual sua opinião sobre a crítica da música contemporânea no Brasil? Quem são aqueles críticos que realizam um trabalho sobre música contemporânea, no Brasil e no exterior, que merecem reconhecimento?

Marisa Rezende: Há críticos que prestaram bons serviços à causa da música contemporânea. Lembro dos bons tempos com Ronaldo Miranda como crítico do Jornal do Brasil, Clóvis Marques, Luiz Paulo Horta, Mauro Trindade, entre vários outros aqui no Rio. Em São Paulo, João Marcos Coelho, João Luiz Sampaio, Irineu Franco Perpétuo, Sidney Molina, Camila Fresca, entre outros, são atuantes e influenciadores. A equipe da revista Concerto, sob a direção de Nelson Kunze, desempenha papel importante no registro e crítica do que se faz em música contemporânea no Brasil.

Bienal do Mato Grosso, 2006, Marisa Rezende no piano

Prestes Filho: Cite nomes de compositores que foram fundamentais para a sua formação. Cite nomes de compositores que você acompanha no Brasil e no mundo. Também, algumas obras que tem importância estruturante para sua formação.

Marisa Rezende: Não é fácil citar nomes de compositores, uma vez que vivi cercada de música. Nos anos de adolescência, Bartok e Stravinsky me causaram impacto pela sonoridade de suas obras, mas acho que Hindemith pode ter me influenciado mais, pelo seu uso de consonâncias, já que toquei várias peças do seu Ludus Tonalis. Afetivamente citaria Brahms, Mahler, Rachmaninoff, Prokofieff, Ravel, Debussy, entre outros. Villa-Lobos me encantou com suas Proles do Bebê, por sua genialidade imagética. Mais adiante George Crumb, Lukas Foss, Pierre Boulez me fascinaram, entre muitos, muitos outros…

Lembro também, carinhosamente, que uma das memórias mais antigas de infância que tenho foi de quando escutei “Asa branca” de Luiz Gonzaga…que achei linda e triste!

Grupo Música Nova, 2012. Da esquerda para a direita: João Vidal, Marcos dos Passos, Marisa Rezende, Alexandre Brasil e João Luiz Areias. (Crédito: Marcos Ramos)

Prestes Filho: A Música Contemporânea abraça o seu ambiente de trabalho. Quais movimentos de Música Contemporânea você acompanha hoje? Quais poderia destacar? Poderia citar os artistas brasileiros e estrangeiros da atualidade? A proposta do grupo Música Nova, do qual você é fundadora, continua atual?

Marisa Rezende: Nesses tempos de pandemia, nos deparamos com perdas e dificuldades, de forma avassaladora. Mas há que registrar o esforço de muitos grupos, orquestras, músicos, compositores, que vêm se empenhando em disponibilizar concertos on-line para um bom público, que talvez não se deslocasse para ouvi-los ao vivo. Isso vem permitindo que nós escutemos grupos do exterior, como o Ensemble Intercontemporain, e conjuntos de outros estados do Brasil. Cito o Quarteto Boulanger, de Belo Horizonte, e o Abstrai Ensemble, do Rio, como grupos que têm se ocupado da música contemporânea brasileira. E o coletivo de compositores – Prelúdio XXI -continua com a série de concertos mensais deles, já há mais de dez anos, disponíveis on-line. Jocy de Oliveira e Luiz Carlos Cseko são guerreiros solitários, batalhando para apresentar suas obras. Tem havido um número razoável de festivais on-line, como o Festival de Vitória, o Virtuosi de Recife, o da Fundação de Educação Artística de Belo Horizonte, entre outros, com espaço para música contemporânea. E muitas buscas por entrevistas e depoimentos, inclusive como parte da atividade acadêmica, como o Fórum de Compositores da Escola de Música da UFRJ. Quanto a citar artistas brasileiros e estrangeiros da atualidade sugiro visitas sistemáticas ao YouTube! Há ótimos vídeos! A proposta do Grupo Música Nova começou em 1989, como um projeto acadêmico, com a finalidade de alavancar a produção dos alunos de composição da EM/UFRJ, no que ele foi muito bem sucedido. Depois da minha aposentadoria em 2002 continuamos autonomamente até 2012.

Hoje o Grupo é objeto de uma tese de doutorado de João Luiz Areias, trombonista do grupo por muitos anos, num resgate dessa memória.

Grupo Música Nova, 2012. Da esquerda para a direita: João Luiz Areias, Marisa Rezende, João Vidal, Alexandre Brasil e Marcos dos Passos. (Foto: Marcos Ramos)

Prestes Filho: A interseção audiovisual/teatro/música hoje é uma realidade. Em especial, por conta da atual revolução científica e tecnológica que está transformando todas as áreas da cultura. Neste contexto, o velho ar condicionado de seu pai “ter sido coautor” (brincadeira) da sua obra “Vereda”, é interessante. Também, a parceria com a sua filha, Bel Barcellos, que é artista plástica chama a atenção. Conte sobre as suas experiências no campo do diálogo entre as artes, como na realização da obra “La Vie en Rose”, que tem o mesmo nome da célebre canção de Edith Piaf e Louis Guglielmi.

Marisa Rezende: Houve um período muito interessante, na década de 90. Na Rio- Arte, estiveram Lilian Zaremba e Maria Júlia Pinheiro, pessoas muito empreendedoras. Com isso o Espaço Sergio Porto era o palco natural para muitas experimentações artísticas, que tinham sempre um quê de novidade e que se beneficiavam dos recursos cênicos disponíveis no Espaço. Foi nessa época que apresentamos “La vie en rose” (1992), uma instalação que reunia teatro, música e artes plásticas, com Sergio Marimba, Bel Barcellos, Isaac Bernat, vários atores e músicos, e com minha direção musical. O espetáculo começava sim com a canção da Edith Piaf, e acontecia em três ciclos de meia hora cada, sem interrupções, com algum aparato tecnológico. Como foi bom ter podido fazer isso! Esse mesmo grupo, acrescido de Miguel Pachá, Apon, da saudosa Solange Badim, montou outra instalação chamada “Hemisférios”, em 1993. Em 2000, a partir de uma bolsa da fundação Vitae que eu ganhei, voltamos a ocupar o Sergio Porto, com um espetáculo centrado na obra de Rilke. Novamente foi um trabalho conjunto com Bel, Isaac, Solange, Miguel, Marimba. E contamos com Marcos Lacerda, Doriana Mendes, Marcelo Coutinho, Maria Haro, Léo Fuks, Eduardo Amir, Marta Rezende, Flávia Vieira e do Grupo Música Nova, sob regência do saudoso André Luiz Góes. Esse espetáculo integrava um ciclo de concertos do Núcleo de Música Experimental e Intermídia (Numexi), um movimento interessante que agitou a cena musical aqui.

Dele faziam parte Jocy de Oliveira, Luiz Carlos Cseko, Tato Taborda, Rodolfo Caesar, Tim Rescala, Guilherme Bauer, Vera Terra, Chico Mello e eu.

Grupo de compositores da NUMEXI, Luiz Carlos Cseko, Guilherme Bauer, Marisa Rezende, Tim Rescala, Jocy de Oliveira, Rodolfo Caesar e Tato Taborda, 2000

Prestes Filho: Você destacou em uma entrevista que é ligada a tradição. Também, que a música popular brasileira é uma importante referência para você. Quais seriam aqueles gêneros e autores do cancioneiro popular brasileiro que estão na base de sua formação?

Marisa Rezende: Esclarecendo “o ser ligada à tradição”, digo que reconheço valores importantes do passado, e no âmbito familiar, e que prezo muito o que recebi de meus pais e parentes que já se foram daqui. Com relação à música deve ser por esse apego que respeito a consonância como algo valioso. Quanto à música popular brasileira é tão difícil citar! Na infância, ouvíamos em casa o que as rádios programavam. Assim nossos cantores e cantoras – Dolores Duran, Maysa, Cauby Peixoto, Ivon Cury, Luiz Gonzaga, entre muitos outros – eram presença familiar. Mais tarde a bossa nova e a música americana passaram a ocupar boa parte da programação.

Na minha adolescência, meus pais compraram uma vitrola. E meus primeiros discos foram “Tutti Frutti” do Elvis Presley e o concerto nº2 de Rachmaninoff!

Marisa Rezende e Egberto Gismonti

Prestes Filho: Você é fascinada pela Teoria Musical, matéria que lecionou durante muitos anos na UFRJ. Poderia falar sobre a contribuição dos compositores brasileiros vivos para o desenvolvimento da música contemporânea? Em especial, para com o desenvolvimento da técnica da escrita musical? Podemos identificar uma proposta brasileira?

Marisa Rezende: Embora eu tenha ensinado Análise e Estética logo que cheguei na UFRJ, e essas são disciplinas que fazem parte dos estudos teóricos em música, ensinei mesmo foi Composição, na graduação e no mestrado. Composição tem sim um lado teórico, mas extrapola em muito a Teoria, e abriga muitas outras facetas, algumas bem subjetivas. Em relação à contribuição dos compositores brasileiros, eu diria que, desde os anos 90, com a criação da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música – ANPPOM – houve um movimento forte e bem orquestrado pelo Brasil, com uma adesão significativa da comunidade acadêmica, e dos compositores a ela ligados, inclusive. Dessa associação primeira, já surgiram muitas outras – de performance, musicologia, etnomusicologia, Teoria etc. Pois bem, não só essas associações respondem pela integração entre os professores de todo o país, com seus congressos e encontros, mas também elas publicam inúmeros periódicos que registram as pesquisas em seus artigos. Já houve quem dissesse que se conhece um compositor brasileiro mesmo quando este faz música eletroacústica, então deveria, por analogia, haver um traço em comum, talvez, no conjunto das pesquisas, mas não sei se é bem o caso, nem sei apontar qual seria esse traço. Um trabalho, sobre minha peça Ginga, feito por Potiguara Meneses, e recentemente publicado no periódico Opus (vol.27nº1 – jan/abril de 2021) é, a meu ver, um excelente exemplo da contribuição à pesquisa de um compositor brasileiro.

Bastidores do concerto da OSUSP na Sala São Paulo, 2010, com regência de Ligia Amadio. Da esquerda para a direita, Roberto Tibiriçá, Silvio Ferraz, Lígia Amadio, Marisa Rezende, Marcos Lacerda e Ronaldo Miranda. (Foto: Isabela Senatore)

Prestes Filho: Sua canção “Soneto” foi realizada para soprano, violino, clarinete e piano. O que veio primeiro, a palavra ou a música? Como foi o processo de composição da obra “Enfibraturas”, oratório baseado no poema de Mário de Andrade? Como foi compor a partir das obras de autores tão diferentes como Fernando Pessoa, Mia Couto e Wyslawa Symborska?

Marisa Rezende: Gosto de poesia, pela concisão, pelo ritmo, pelas sonoridades…daí para ela virar música é um pulo! Assim foi com “Soneto”, ou “Cantoria”. E há outras vezes nas quais as poesias me salvam em músicas “difíceis”, como é o caso das “Três palavras estranhas”, da Wyslawa, e “Trama”, para violoncelo e orquestra. Tanto o conteúdo quanto a forma do poema estão refletidos na música. E a mesma coisa aconteceu com o poema “Árvore”, de Mia Couto em “Ciclo”, para quinteto misto. A história das “Enfibraturas” é curiosa. Sua ideia partiu do Projeto Elos, da Funarte, idealizado por Aylton Escobar, e proposto à várias universidades no Brasil. Um dos temas desse projeto, era a Semana de 22, e eis que achei que seria ótimo tentar montar esse “oratório profano” do Mário. Nessa ocasião eu ensinava na Universidade Federal de Pernambuco. Fizemos então um trabalho coletivo com os alunos e alguns professores do nosso departamento, e o apresentamos no teatro Santa Isabel, com a Orquestra Sinfônica do Recife.

Foi inconsequente, ambicioso e ousado, mas foi ótimo fazê-lo!

Prestes Filho: Você destacou em uma entrevista que a mulher “sempre foi criativa, sempre soube usar suas habilidades para escrever livros, poemas e realizar composições musicais”. Qual sua opinião sobre a presença das mulheres em atividades musicais no Brasil? O número de compositoras na Academia Brasileira de Música (ABM) é muito pequeno. Seria possível uma reflexão sobre este tema?

Marisa Rezende: A presença de mulheres em atividades musicais no Brasil é pequena, mas vem crescendo ultimamente, ainda bem. Isso acontece em outras áreas também, e muito já se tem dito sobre fatores que pesam nesse estado de coisas. Acredito que temos tido várias conquistas em terrenos antes inóspitos, e acho que nem tudo nos atrai também.

Na ABM, quem se interessar por ser membro dela, se candidata. Há então uma eleição, na qual outros acadêmicos votam. Assim, ninguém é ou não escolhido para ser membro sem passar por esse processo. Isso envolve uma mobilização, que é mais natural para uns, e menos para outros. Mas não sinto nada na Academia que não acolha as mulheres. E me orgulho de ter recebido dela a medalha Villa-Lobos.

Marisa Rezende

Prestes Filho: A Academia Brasileira de Música (ABM) desempenha papel importante na difusão da música brasileira. Você entende que o compositor deve participar de associações e sindicatos para encaminhar reivindicações e participar ativamente das lutas populares?

Marisa Rezende: Sim, a ABM trabalha pela música brasileira, e tem feito movimentos recentes no sentido de ampliar o alcance de seus projetos. A inserção de compositores e instrumentistas em órgãos de classe já ocorrem, via de regra. Assim o Sindicato e Associações já se ocupam de várias causas de seus associados. Quanto a participar das lutas populares, ainda que isso seja vago demais, vai depender da orientação política de boa parte de seus membros, não?

Duo Marcos dos Passos e Marisa Rezende. (Foto: Marcos Ramos)

Prestes Filho: O espaço para a Música Contemporânea no Brasil está reduzido. São poucos os patrocínios que a iniciativa privada disponibiliza e as políticas públicas estão cada vez mais limitadas. Quais perspectivas para os próximos anos?

Marisa Rezende: Acho que aqui nunca foi fácil ter uma política cultural realmente preocupada com a sobrevivência e renovação dos nossos valores. Foi sempre aos solavancos. Houve períodos melhores, e agora estamos provavelmente no pior de todos. Há que se fazer justiça a muito eventos que, durante anos, mantiveram acesa a chama dessa vertente da música e de nós mesmos, que a fazemos. Foram muitos Festivais Música Nova, de Gilberto Mendes, em Santos, muitas Bienais aqui no Rio, muitos Panoramas da EM/UFRJ, entre outros. Há certos programas, nas emissoras de rádio que se ocupam também desse repertório, como o programa Contemporâneas, do compositor Rodrigo Cicchelli.

Assim vamos sobrevivendo, como uma atividade de pequeno alcance, mas importante. Ainda que nós estejamos numa corda bamba, acho importante pensar que resistir é preciso!

Concerto no auditório da FINEP, Marcos dos Passos (clarineta) e Marisa Rezende (piano) e compositor Caio Senna, 2008

Prestes Filho: Quais são as orquestras brasileiras que você admira como compositora? Quais são as maestrinas e os maestros que mais tem intimidade com sua obra?

Marisa Rezende: Não vou citar. Tenho sido bem tocada pelas nossas orquestras, e evidentemente há uma tendência de que melhores orquestras toquem melhor. Mas já vi desastres e milagres acontecerem, então vou continuar acreditando que desde que haja vontade, é possível se ter um bom resultado. Lígia Amadio foi quem mais me programou, inclusive no exterior.

Aplausos ao final de Vereda, de Marisa Rezende, OSUSP, regência Lígia Amadio, Sala São Paulo, 2010. (Foto Isabela Senatore)

Prestes Filho: Está surgindo uma nova geração de compositores? Quem seriam eles? Entre estes, existem seus discípulos?

Marisa Rezende: Pois é, com tudo o que falamos acima, é incrível pensar que a composição continue dando bons frutos! E continua mesmo! Viva! Mas citar meus discípulos… aí é impossível… São muitos, são queridos, são talentosos, trabalham bastante, estão atuando de norte a sul do Brasil então, que bom que nossas trajetórias se cruzaram em algum momento e tivemos boas trocas!

LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Diretor Executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Cineasta, formado em Direção de Filmes Documentários para Televisão e Cinema pelo Instituto Estatal de Cinema da União Soviética; Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local; Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009); É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).


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