Por Carlos Mariano

Muita gente ficou surpresa com a escolha do ator, compositor e cantor Jorge Mário da Silva, o popular Seu Jorge, para representar o lendário guerrilheiro Carlos Marighella no filme “Marighella” do diretor e ator Wagner Moura. A surpresa viria do fato de Seu Jorge, um homem negro, não condizer com a cor clara de Marighella que, na visão popular, seria um “mulato claro”. Apesar da confusão que se faz sobre pessoas de origem africana e a cor, muitas vezes mais clara da pele, Marighella foi e sempre será, étnica e racialmente, negro.

No livro “Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo”, do jornalista Mário Magalhães, base da pesquisa do filme, mostra no capítulo 1, intitulado “Menino preso ao pé da mesa”, que Marighella era afrodescendente como grande parte do povo baiano da região de Salvador, local de nascimento do guerrilheiro. No capítulo, Magalhães nos conta que Marighella veio ao mundo fruto da união amorosa de um imigrante italiano, seu pai Augusto Marighella, com a belíssima negra haussá, filha de escravizados, Maria Rita dos Santos.

Marighella em família. (Divulgação)

Maria nasceu em 22 de maio de 1888, uma data bem emblemática da história do Brasil, pois nasceu noive dia após a data da abolição da escravatura no país. A mãe de Maria Rita, avó de Marighella, Dona Maria Especiosa dos Santos, fora escrava na região do recôncavo baiano. Portanto, o nosso bravo guerrilheiro tinha toda uma ancestralidade africana na veia, só não era negro da cor da noite. Mas, aqueles que nunca enxergaram o Marighella como negro talvez acreditem na crença de que nossa abençoada miscigenação de raça clareou a cor de nosso povo.

O fato é que ele era um afrodescendente que trouxe no sangue a sua luta diária contra a ditadura e as injustiças sociais, a memória de resistência do povo preto baiano durante a revolta dos Malês – maior rebelião de escravizados do Brasil.

Na estatística do principal historiador da rebelião de 1835, João José Reis, naquele ano os africanos representavam um terço do povo de Salvador. Até mesmo o ateísmo comunista de Marighella não foi capaz de impedi-lo de tornar-se filho de Oxóssi, orixá da caça, guerreiro da flecha certeira. Mãe Caetana foi a responsável por batizá-lo no ritual.

Também no exercício de poeta, Marighella nunca esqueceu suas raízes afro. Em “Capoeira”, o guerrilheiro se assume como um mestiço baiano que virou capoeirista para preservar a memória de luta dos quilombolas de Palmares. Em outro poema denominado “A alma do samba”, Marighella define o nosso Brasil, como um grande terreiro de carnaval.

Portanto, quando o genial Wagner Moura escolhe a negritude de Seu Jorge para ser o sujeito da história de Marighella, ele tinge corretamente de negro, a história desse grande lutador, revolucionário e poeta do povo baiano e brasileiro.

Wagner Moura. (Divulgação)

Talvez para alguns, a figura de Marighella deveria aparecer no filme como um homem branco comunista, ateu e com aquela touca de frio usada pelos moscovitas na revolução russa de 1917. Mas não, o nosso Marighella era comunista sim, mais preto na ancestralidade, na cultura e filho de santo com um berimbau na mão.

Salve o Marighella preto!

CARLOS MARIANO – Professor de História da Rede Pública Estadual, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador de Carnaval, comentarista do Blog Na Cadência da Bateria e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


SERVIÇO – Degustação Vita Eterna

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