Por Lincoln Penna

Significa uma sociedade baseada na opinião dos civis (…). Quando a Civilização reina em um país, uma vida mais ampla e menos penosa é concedida às massas (…). O princípio central de Civilização é a subordinação da classe dominante aos costumes do povo e à sua vontade, tal como expressas na Constituição…

(Winston Churchill, 1938).

É significativa a definição de Civilização de Churchill, um político conservador de um país não menos conservador no que tange à manutenção de seus costumes e que, no entanto, não pode deixar de ter o reconhecimento ao enfatizar a vontade do povo como critério para dar sentido a essa palavra que hoje está no centro das nossas atenções. Por sinal, o mesmo estadista – e ele o foi – que não mediu esforços para dar sustentação à tese de que o inimigo principal quando da eclosão da Segunda Guerra Mundial eram os nazistas. Daí, o apoio à aliança com a URSS, contrariando as correntes trabalhistas inglesas. O livro do diplomata e historiador soviético Ivan Maisky intitulado Quem Ajudou a Hitler testemunha as articulações havidas na política britânica.

Winston Churchill | Biografia e Attività Politica | L'Astrolabio

A mesma questão pode ser colocada no momento, diante do que se passa numa conjuntura que aponta para uma iminente escalada tendo em vista a presença do ódio e da intolerância combinadas com os impulsos bélicos de uma indústria que não para de crescer e ameaçar a paz entre os povos. Neste caso, a pergunta consiste em quem está efetivamente apostando numa nova conflagração mundial com desdobramentos imprevisíveis, se é que haja como pensar em desdobramentos em virtude de estarmos em pleno domínio de armas nucleares a serviço de hostilidades insanas.

Se motivos não faltam para que defendamos um cessar-fogo imediato, dado o grau alcançado pela verdadeira barbárie instalada em nome da defesa de um Estado, o de Israel, pelo menos que a morte de crianças submetidas aos ataques indiscriminados das forças israelenses seja suficientemente sensível para que se detenha esse genocídio perpetrado e explicado, senão justificado, pelos que reconhecem como legítimo essa barbaridade como vingança pelos ataques do Hamas.

A inocência de crianças violentadas pelo massacre cruel e desumano, cuja geração representa o futuro da Civilização, que com todos os erros cometidos no passado e no presente dão curso à caminhada da humanidade, não pode ser tolerado em nome de qualquer estúpida revanche, só cabível na cabeça de um terrorismo de Estado monitorado pelos interesses geopolíticos e estratégicos da máquina de guerra norte-americana.

Hoje vivemos tempos anacrônicos nos quais carecemos de instituições capazes de zelar pela paz nas relações internacionais, caso da ONU, cuja permanência como órgão mediador e garantidor do equilíbrio mundial tem demonstrado ser até aqui ineficaz, e nada garante que se altere esse quadro de letargia na qual se encontra imersa. Tampouco temos estadistas que honrem esse epíteto, não obstante os esforços de alguns líderes nacionais e com projeção internacional. Mas, numa ordem mundial capitaneada por poderes que se apropriaram dos mecanismos de decisão, como é o caso do complexo militar e industrial fortemente presente nos EUA tudo torna-se difícil, mas não impossível. Muito embora sem o poder de interferir nessa escalada alucinada e suicida, as lideranças democráticas e populares podem pelo menos fazer ecoar suas vozes, sobretudo na denúncia de um órgão já envelhecido e viciado como é a ONU.

A reestruturação dessa entidade internacional é algo a merecer prioridade, seja pela sua ineficácia exibida de tempos em tempos, ou para dar-lhe o vigor de que estamos a precisar, incluindo a sua democratização, pois não é mais tolerável que o Conselho de Segurança constituído por 15 nações, sendo cinco permanentes e com direito a vetar qualquer resolução apresentada, e dez em sistema rotativo, se imponha sobre a própria Assembleia que reúne centenas de países.

Nesses últimos dias tenho sonhado com uma greve mundial. Nesta todos os seres humanos paralisariam as suas atividades produtivas de modo a interromper o fluxo do comércio internacional com danos econômicos e financeiros para os senhores que detém o poder e, consequentemente, as decisões no plano das relações entre governos. Como todo sonho seria preciso que fosse compartilhado e, portanto, sonhado junto com as massas sujeitas permanentemente aos caprichos, interesses e desejos inconfessáveis de quem monitora as grandes decisões mundiais.

Sobre essas elucubrações não dá para deixar de mencionar o livro do escritor português, prêmio Nobel de Literatura, José Saramago intitulado Ensaio sobre a Cegueira. Essa obra me parece tão atual em virtude do manto que impede que a racionalidade – leia-se, o bom-senso – oriente os seres humanos. Trata de uma realidade que se desfaz e passa a ser manipulada a partir de interesses imediatos. No livro, Saramago vê as pessoas se tornando cegas e ao não enxergarem os seus semelhantes criam um mundo para si tornando-se indivíduos autocentrados em suas próprias necessidades. Essa lógica da não repartição e do culto ao egoísmo conduz ao aniquilamento do que um dia foi a Civilização como contrato social minimamente partilhado, acatado dentro de regras de convivência que garanta a civilidade.

Mas, há outras formas pressão popular e mais plausíveis e quem sabe mais eficazes. Penso no Manifesto Mundial Pela Paz, que não seria inédito, uma vez que logo após o desencadeamento da Guerra Fria houve iniciativas dessa natureza. Não foram tão propositivas a ponto de estancar a corrida armamentista que decolou assim que terminaram os conflitos em 1945. Contudo, serviu para alertar a humanidade quanto ao perigo de se manter ativa essa política de confronto possível sem recorrer à quentura de uma nova guerra. Porém, a frieza dessa nova situação não impediu também violações de direitos humanos, intervenções militares em países tidos como do interesse dos senhores da guerra e tensões que se multiplicaram.

Um Manifesto vigoroso e massivo não deterá necessariamente essa escalada e o descalabro que estamos a assistir. Ele, entretanto, pode representar um polo aglutinador dos que se batem contra os que estão infernizando e por que não dizer humilhando a humanidade? O fundamentalismo quando toma conta das decisões políticas faz ressuscitar o fascismo como método, forma de exercer suas taras e com isso agredir as nossas frágeis e precárias democracias, cuja resistência depende cada vez menos de governantes e mais do povo organizado e mobilizado, além de plenamente consciente de que para fazer valer uma democracia é preciso que ela exprima o poder que a justifica assim denominá-la, ou seja, o poder popular.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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