Por Ricardo Cravo Albin –
“A vida não examinada, não vale a pena ser vivida.” (Sócrates – 390 a.C).
Os absurdos na gestão da administração pública do Brasil ocorrem quando menos se esperam. Subtraindo o tema de essência deste último ano e meio, a atordoante crise da pandemia, vários incômodos aqui e acolá desabam sobre a cabeça da cidadania como tempestades súbitas.
Por um triz a insensatez e a falta de parâmetros (e de tudo o mais, inclusive cultura e reconhecimento de prioridades de que um país em seríssimas dificuldades carece mais que nunca) não pulverizariam a realização já adiada do Censo-2020, embora reduzido a uma verba mínima, daquelas “ou pega ou larga, faça como puder”.
Nem pretendo recompor aqui o ocorrido, de farto conhecimento público, e que tem como epicentro as indefinições e a falta de pulso do Governo, que deixou o orçamento rolar no congresso a seu bel prazer. A primeira intervenção indesejada foi abrir créditos para emendas vultosas destinadas aos próprios Parlamentares. Mas de onde tirar, já que está tudo comprometido? – Ora, vamos cortar de onde já se adiou e cuja voz parece mesmo silenciosa, sem maiores protestos, o Censo Geral-2020, mesmo reduzido para cerca de 2 bi. Dito e feito.
Mas horas depois a alma cívica posta em labaredas começa a acordar e clama pelos bombeiros. Protestos chovem. O Ministro Guedes se exime de culpa e aponta exclusivamente um único incendiário, o Congresso.
Até que o STF é forçado a intervir. O fogaréu é de pronto debelado com sentença do Ministro Marco Aurélio, cujo equipamento antifogo marca sua despedida, literalmente solar, da Corte: Faça-se o Censo!
Há muito eu não sentia no país alívio tamanho. E de todos os setores capazes de pensar e refletir sobre nossas necessidades básicas, sobretudo a preponderância de estatísticas, de ciência, de pesquisas, de dados confiáveis. E de um serviço público de excelência que jazia dormitando, o IBGE, agora desperto com certeiro soco, um safanão supremo.
A primeira contagem da população brasileira foi realizada em 1872, com apoio do Pedro II. Mas seria apenas em 1890, já na República, que os censos demográficos passaram a se realizar a cada dez anos. E isso, todos nos demos conta, passou a ser uma bíblia norteadora para o país. Que contribuiu mundialmente com os demais povos ao propor a indagação de originalidades de pesquisas como o tema fecundidade, sendo o único na América Latina a colher informações sobre renda individual e familiar.
O objetivo primário do Censo é contar os habitantes dos 570 municípios do território nacional, identificar suas características, e revelar como vivem os brasileiros. Tudo o que é respondido pelas certamente mais de 200 milhões de pessoas definirá as políticas públicas para todos os municípios, desde escolas, moradias, saúde pública, saneamento básico, até a detalhes de grupos étnicos, populações indígenas, quilombolas etc.
Ocorreu-me agorinha mesmo uma lembrança única que experimentei no primeiro Censo em que fui entrevistado, o de 1960. Tinha uma viagem a fazer e deixei todos os dados que deveria informar aos recenseadores com minha empregada, a Zefa, muito falastrona e desinibida. – “Então Zefa, você passou direitinho todos os meus dados?” – “Ih, doutor. Quase não deu tempo, garrei a conversar com o homem e desfiei minha vida toda, todos meus maridos, meus filhos, tudo, tudo. Depois de quatro horas e dez cafezinhos, ele falou que tinha que sair, apressado. Mas eu entreguei todas as suas informações por escrito, como o senhor deixou. Pelo menos alguém ouviu toda a minha vida, tal e qual. Mas tenho até medo de ter falado mal de tantos maridos…”
Foi a única vez que me bateu à porta um recenseador. Nas décadas seguintes, até 2010, não fui procurado pessoalmente. Imagino ter sido incluído em grupos de amostragem, o sistema mais comum para agilizar o Censo Geral de um país-continente.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin, Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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“Sem os dados do censo não dá para mapear o analfabetismo, não dá para saber sobre escolaridade, não dá para saber onde se precisam criar escolas”, exemplificou. “Há uma série de questões que decorrem do censo até a administração pública. É o censo que serve de base para os repasses do Fundo de Participação dos Municípios, que é uma transferência constitucional da União para os estados e o Distrito Federal. Ou seja, os municípios e os estados não vão saber como eles vão poder organizar a administração pública.”, aponta Luiz Felipe de Alencastro, cientista político e membro da Comissão Arns.
Inaceitável!