Fábio Costa Pinto

Memória histórica da Fundação Hansen Bahia.

Neste artigo, trago verdade, memória e tristeza, vida e obra do maior artista plástico, xilogravurista do mundo, museu de um só artista, que amou a Bahia e escolheu Cachoeira e São Felix para doar sua obra, viver e morre.

Nascido em 19 de abril de 1915, em Hamburgo, Alemanha Ocidental, de nome Karl Heinz Hansen.

Foi marinheiro, escultor, poeta, escritor, cineasta, pintor e xilógrafo, o qual se dedicou especificamente. Participou da última guerra mundial denunciando-a no seu famoso “DRAMA DO CALVÁRIO”. Cansado de tudo e de todos, com suas ideias progressistas, sempre lutando pelo bem-estar do homem, saiu da Alemanha e veio conhecer o Brasil, chegando em São Paulo em 1950.

Morou alguns anos em São Paulo, teve seu primeiro emprego na Companhia Melhoramentos de São Paulo, como decorador, em 15 de julho de 1950. Fez várias séries de xilogravuras. No ano de 1955, saiu da Companhia de Melhoramentos de São Paulo e foi conhecer a Bahia. Tinha 37 anos na época. Conhecendo a Bahia, Bahia que lhe encantou vivendo alguns anos, naturalizou-se brasileiro e adotou a Bahia como seu nome.

Viveu intensamente no Pelourinho, sentindo de perto a intimidade das prostitutas que ali viviam, para retratá-las nas suas matrizes. Retratas também seus problemas, suas dificuldades, sua miséria.

Hansen Bahia - 9 Xilogravuras Originais Assinadas - Lenach - Lenach Artes, Antiguidades & Decoração

No ano de 1957, a livraria Progresso Editora, lança seu livro “Flor de São Miguel” dedicado ao bar do mesmo nome que ele frequentava diariamente. A apresentação é de Jorge Amado.

Já nesta época, Jorge Amado reconhece, de logo, o valor de Hansen para a Bahia. Não demorou muito, veio outro livro “Ladeira da Misericórdia”, outros como “Santa Bahia”, “Portas e Janelas”, “Via Crucis no Pelourinho”, “Ulisses chegando a Bahia”, etc.

Depois de 10 anos vividos na Bahia, em 1962, volta a Alemanha e organiza um ateliê em Tittnoning no Castelo de Caça dos arcebispos de São Salzburgo construído em 1234.

Hansen volta a Bahia em 1965. Traz consigo sua aluna alemã Ilse Carolina Stromaier, jovem camponesa, bem mais moderna do que ele e que a amava muito. Vai morar em Piatã, bairro de Salvador, orla marítima, onde aprende as primeiras palavras em português com os pescadores.

Em 1975, descobre Cachoeira e São Félix levado por sua ex-aluna Noelice Costa Pinto e seu amigo José Mário Peixoto Costa Pinto. Cidades que parecem Salvador, quando a conheceu. Resolveu morar em São Félix e doar toda a sua obra artística para a Bahia por testamento, para que se fizesse uma fundação com o seu nome.

No dia 19 de abril de 1976, dia do seu aniversário, no Touring Clube de Brasília, Hansen faz a doação para as autoridades federais olharem para Cachoeira que tanto precisava ser soerguida.

Em vista de tão grandioso gesto, a prefeitura municipal de Cachoeira, através do seu prefeito, Dr Edson Ivo de Santana, médico, doa uma casa para que fosse instalada a Fundação Hansen Bahia. No dia 31 de julho do mesmo ano, foi constituída a Fundação Hansen Bahia durante o encerramento do I Festival de Inverno da Cachoeira, coordenado por — Noelice Costa Pinto — artista plástica, então assessora cultural daquela prefeitura, com ajuda da FUNARTE/MEC e galeria de arte Amanda Costa Pinto, que iniciou todo o movimento cultural naquela cidade do Recôncavo baiano.

Em 1978, no dia 19 de abril, foi inaugurado o Museu Hansen Bahia, com Hansen bastante doente. No dia 30 de maio, parte Hansen Bahia para São Paulo. Foi operado no dia 13 de junho e não resistindo morreu de um edema pulmonar, uremia-câncer de bexiga, às 16 horas do dia 14 de junho, sendo sepultado no crematório M. em São Paulo.

A Fundação Hansen Bahia é uma entidade cultural, pessoa jurídica de direito privado e patrimônio próprio nos termos da lei civil, sem fins lucrativos e reconhecida de utilidade pública pela Câmara de Vereadores do Município de Cachoeira, no dia 27 de outubro de 1981, cujo projeto de lei tem o número 03/81. Era a integração, a partir daí, com a comunidade do Recôncavo.

— Registrado no Cartório de Registro de Imóveis e Hipotecas, Títulos e Documentos e Pessoas Jurídicas da Comarca de Cachoeira, livro n.º 02 de Registro Geral, mat. sob n.º 562 reg.1, em 29 de setembro de 1978, referente aquisição do predio n.º 12 na Praça Manoel Vitorino. Adquirida pela Fundação Hansen Bahia, doado pela Prefeitura Municipal de Cachoeira, representada pelo Dr. Edson Rubem Ivo de Santana na qualidade de chefe do executivo Municipal (prefeito), conforme escritura pública de constituição da Fundação Hansen Bahia lavrada em 31/07/1976 em tabelionato no livro 9 fls 148/154v.

Relatos da professora Noelice Costa Pinto

“Conheci Hansen Bahia no curso livre de xilogravura que ele dava no ICBA — (Instituto Cultural Brasil Alemanha), tendo me incentivado a continuar na Escola de Belas Artes, onde estudei com ele próprio, Oscar Caetano da Silva e outros mestres”.

“Hansen Bahia residia em Amaralina com sua ex mulher, de quem se separou na Alemanha e conheceu a Ilse, casando-se com ela, sua terceira mulher e verdadeiro amor. Ela com 19 anos mais moça do que ele. Foi por meio de Edio Gantois que Ilse comprou dois lotes juntos em Jaguaripe, Salvador, chamado de “Jardim Gantois”, na orla marítima, deste construiram uma casa”.

Hansen Bahia fez mais de 200 exposições em vários continentes, convidado por Reis e Príncipes, Presidentes e Primeiro Ministros. Com obras em museus do mundo e painéis pelo Brasil. Expondo permanente, Hansen se correspondia com artistas de várias partes do mundo.

Em São Felix, cidade do Recôncavo baiano, 115 km da capital Salvador, sua casa, vivia cheia de gente pobre e trabalhadora, onde ele e sua mulher Ilse, chegaram a alimentar 100 pessoas por semana.

Hansen foi para São Paulo, sem dinheiro, somente com Cr$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzeiros) à época, dados pelo Dr Roberto Santos, então governador da Bahia, foi operar e morreu. Ilse, de luto, traz as cinzas do artista.

— “Faço questão de contar isso para repartir com a sociedade baiana esta tragédia, porque os “sábios burocratas” são profundamente insensíveis. Para eles, tudo. A ideia não é deles, nada feito. “isso é cultura”, seja esquerda festiva e “sábia”, seja direita perversa e mentirosa, incompetente”. Desabafa Noelice, hoje com 85 anos.

Certa feita, Hansen muito doente chama Noelice e diz: “Noelice, eu vou operar em São Paulo e volto. Eu quero meu Museu”. Noelice corre até Cachoeira e chama o prefeito, que foi até a Fazenda Santa Barbara, sua casa em São Felix, cidade visinha, separada por uma ponte histórica, com o nome do Dom Pedro II. Lá rodeado do povo e de amigos, deitado numa rede e sua Ilse ao seu lado. Passado um tempo, assim que vários foram embora, Hansen vai ao banheiro, de lá grita de dor. De portas abertas e aos berros, -“Ariston, eu estou morrendo, urinando sangue, veja. Eu quero meu museu”. Aristom Mascarenhas era o prefeito da cidade de Cacheira, nesta época.

Noelice lembra, que todos os dias saia de Cachoeira e ia a Fazenda Santa Barbara em São Feliz despachar com Hansen. — “Noelice, eu quero assim”. “ Noelice, minha obra é minha vida, estou dando a Canhoeira”. “Esta fazenda também é da Fundação Hansen Bahia”. “Você vai dirigir tudo isso para o povo, ajudar Cachoeira e São Felix”, dizia Hansen.

Noelice sai da reunião arrasada, pela insensatez dos governantes, a não compreensão da importância e grandeza de Hansem. — “eu precisava dar boas notícias. E o museu, pelo menos, ele veria ser inaugurado, mesmo na sede provisória na casa Ana Nery, em Cachoeira”.

Inaugurada o Museu, na sede provisória, Casa Ana Nery em Cachoeira, a Fundação Hansen Bahia passa a funcionar com seus objetivos culturais, artísticos, sociais, ecológicos e turísticos para soerguer e conscientizar cachoeiranos e sanfelistas.

Após a morte de Hansen, Ilse se viu na solidão. Numa tarde, Ilse manda chamar a professora Noelice na Fazenda. Disse Ilse: -“minha mãe, Úrsula e minha irmã Sabina, alemães, querem tomar a Fazenda Santa Barbara”. Ilse comprou de Edvaldo Brandão Correia, então governador da Bahia. Tinha medo, também, da ex mulher de Hansen e seu dois filhos, Irmie e Vitório.

Dias passam e Ilse bebia cada vez mais, fumava muito, tomava remédios e hora em hora ia ver as cinzas de Hansen.

Dia 5 de junho de 1983, ela, Ilse morre.

Às pressas, o caseiro Armando chama Noelice, que residia na Vila de Belém, distrito de Cachoeira, que foi até a Fazenda Santa Barbara, em São Felix. — “Lá, Ilse parecia que me esperava. Sentada ao seu lado, ela nada falava e com lágrimas no rosto, fez um gesto com as mãos como se quisesse dizer que tudo acabou”.

O Suicídio Cultural

Dia seguinte, a morte de Ilse, na hora do enterro, a ex mulher de Hansen (separada dele na Alemanha por senteça de juiz), juntamente com Irmie e seu companheiro, Vitório e sua companheira, filhos de Hansen, entraram na casa dos Hansens e fizeram um bacanal, um “churrasco de morto”, como chamaram. Dona Arlinda e Armando, caseiros, viram tudo. O consulado alemão Ocidental nada fez. Assim se comportava diante da tamanha crueldade.

Levaram caixotes de gravuras, matrizes, joias, santos, móveis, etc. A claque alemâ ocidental, simplesmente, não respeitaram que tudo aquilo pertencia à Fundação Hansen Bahia, à Bahia e ao Brasil.

Só para terem uma ideia, saíram vendendo o resultado do roubo pelo Brasil e a Europa. Venderam ao Hotel da Bahia, a belíssima fase “ULYSSES”, só que com a assinaturas falsas. — “O trabalho é de Hansen, só que a assinatura não é dele”, relatou Noelice.

O Projeto inicial e a vontade de Hansen

Aperfeiçoar o homem através da arte e da cultura sempre foi um dos propósitos da Fundação Hansen Bahia, a parte educacional e social, a mais importante.

Em Cachoeira, Museu Hansen Bahia, sala de doações de artistas brasileiros e estrangeiros, biblioteca, sala de exposição, teatro de arena, oficina de arte, literatura de cordel, cursos de arte e pesquisas.

Em São Felix, Memorial, ateliê de Ilse e Hansem Bahia, casa de farinha, olaria, fórno para cerâmica e artesanato, cine teatro, creche e escola profissionalizante.

19 de abril, o dia

Neste mês de aniversário de Hansen Bahia, em justa homenagem, apresento dois discursos (anexos). Um trata-se do discurso da professora Noelice Nascimento Costa Pinto (Testamenteira, fundadora, e sua primeira diretora), aluna e amiga de Hansen e Ilse Hansen. O segundo, do poeta Carlos Capinam, primeiro presidente do conselho da Fundação Hansen Bahia.

Os discursos, foram lidos na Fazenda Santa Barbara, em São Felix, na década de 80, na presença do governador Waldir Pires, secretários de estado, prefeitos, cônsules e da sociedade. Uma multidão se fez presente a visita do governo. Conhecimento e memória da FHB. Viva Hansem Bahia e Ilse Hansen. Viva Noelice e José Mario Costa Pinto. Viva o povo da Cachoeira e de São Felix.

Eu, filho de Noelice e José Mario Costa Pinto, verdadeiros amigos de Hansen e Ilse, convivi e presenciei à belíssima história de vida, a partir de Cachoeira e São Felix, nas décadas de 70 e 80. A confiança de Hansen na nossa família era tamanha que em seu estatuto, clausulas pétreas, tem dois membros da família Costa Pinto como conselho vitalício. Assumir o lugar da minha querida mãe Noelice na cadeira do conselho da Fundação.

Já passaram pela presidência nomes como, José Carlos Capinan, Edivaldo Boa Ventura, Paulo Galdenze, Marcio Meirelles, Albino Rubim, Pola Ribeiro e Dinalva Melo atual presidente. Na diretoria executiva, Noelice Costa Pinto, Vanderlina Rodrigues, Elias Gomes de Sousa, Jomar Lima, e Vanessa Vilas Boas, atual diretora. Hoje, um pouco melhor. Mas, não chega ao projeto original que deveria ser olhado com maior atenção. Esperança será a última. Palavras foram dadas, aguardamos a seriedade desta nova composição, conselho e diretoria.

Entra e ausentar-se diretores e presidentes do conselho, e a luta inicial de Hansen e Ilse, Noelice e José Mario, ainda é um sonho que carrego em nome deles e do povo de Cachoeira e de São Felix. Ver cada vez mais o desenvolvimento social, cultura e educacional das duas cidades heroicas e do Recôncavo baiano. O projeto inicial é a vida deste artista, a construção da Escola Parque transformará essas duas cidades.

Conclamo o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, o Ministro da Casa Civil, Rui Costa, a Ministra da Cultura, Margareth Menezes e o Secretário de Cultura do estado baiano, Bruno Monteiro, para que no dia 25 de junho, vá até a Fundação Hansen Bahia e sinta o amor que Hansen e Ilse tinham por Cachoeira e São Felix.

A fundação é privada, a “obra” é do povo.

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AGENDA

https://www.oabrj.org.br/eventos/juizes-perseguidos-estado-direito

FÁBIO COSTA PINTO – Jornalista baiano, membro do conselho deliberativo da Associação Brasileira de Imprensa — ABI, e conselheiro vitalício da Fundação Hansen Bahia.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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