Redação

A votação pela Câmara do projeto que confere autonomia ao Banco Central continuará na 4ª feira (10.fev.2021). A Casa começou a analisar a proposta na 3ª feira, mas houve acordo entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deputados da oposição e o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), para a continuação no dia seguinte. A sessão começa às 15h.

A urgência do projeto foi aprovada mais cedo nesta 3ª (9.fev.2021). Essa aprovação permitiu que a proposta fosse analisada sem passar primeiro pelas comissões da Casa. Trata-se de uma forma de acelerar a tramitação.

O acordo foi proposto pelo líder da Minoria, José Guimarães (PT-CE). Em troca do adiamento da votação os partidos de esquerda apresentarão apenas 2 requerimentos e 5 destaques ao texto. Esses 7 instrumentos fazem parte do “kit obstrução”, usado por opositores dos projetos em discussão para atrasar as votações.

“Amanhã votaremos 2 requerimentos e cinco destaques. A votação do mérito ficaria para o dia de amanhã”, disse Lira. A discussão, parte das sessões deliberativas que antecede as votações, continuou e estava em andamento quando este texto foi publicado.

Os partidos de esquerda são contra a autonomia. Dizem que o Banco Central será entregue a banqueiros, potencializando a alta dos juros. O acúmulo de responsabilidades prejudicaria os consumidores usuários do sistema financeiro.

Também foi combinado que o relator do projeto, deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), se reuniria com os partidos de esquerda para analisar possíveis alterações que não “prejudiquem no todo o projeto”, nas palavras de Guimarães.

O governo quer que a proposta seja aprovada sem alterações. O texto já teve aprovação do Senado. Se os deputados alterarem, os senadores precisarão analisar novamente. Isso atrasaria o processo.

Se o projeto for aprovado, o presidente da República passará a escolher o presidente do BC no meio de seu mandato e não poderá demiti-lo. O chefe da autoridade monetária também terá mandato. A ideia do projeto é blindar o Banco Central de interferências políticas.

Operadores do mercado financeiro dizem que o BC foi alvo de interferências durante o período de Dilma Rousseff, quando a autoridade monetária era presidida por Alexandre Tombini. Os economistas sinalizavam em 2013 que uma crise econômica e fiscal estava eminente. A ex-presidente pressionou o BC para reduzir a Selic.

Em abril de 2013, a taxa básica estava em 7,25% ao ano. Com a piora das condições financeiras e, posteriormente, com a recessão, chegou aos 14,25% ao ano em julho de 2015. Especialistas dizem que essa variação se deu por interferência do governo da época, piorando o quadro econômico.

A principal atribuição do Banco Central é controlar a inflação. A ferramenta usada é a taxa de juros paga pelo governo a quem lhe empresta dinheiro, a Selic. Na prática, os bancos não emprestam a consumidores e empresas com taxas abaixo da Selic, atualmente em 2% ao ano. Trata-se do menor patamar da história.

Quando os juros sobem, o crédito fica mais caro e o consumo diminui. Isso reduz a demanda e, consequentemente, segura a alta dos preços.

Além do presidente do Banco Central, também haverá mandatos para as 8 diretorias existentes na estrutura. Esses períodos não coincidirão com o período eleitoral. O Banco Central se torna uma autarquia de natureza especial, e perde o vínculo com o Ministério da Economia. Terá autonomia financeira, técnica e operacional, se o projeto for aprovado.

O texto é o PLP (projeto de lei complementar) 19 de 2019. Esse tipo de proposta precisa de maioria absoluta dos votos dos deputados para ser aprovado. Ou seja: 257 votos, independente de quantos deputados participarem do pleito.

Os senadores aprovaram a proposta no início de novembro de 2020. O autor foi o senador Plínio Valério (PSDB-AM). O relator na Casa Alta foi Telmário Mota (Pros-RR).

O projeto de autonomia do Banco Central é discutido há décadas. Ao colocá-lo em pauta, Arthur Lira realizou um desejo do Palácio do Planalto. Lira foi eleito presidente da Câmara com apoio de Jair Bolsonaro.

O antecessor de Lira, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vivia às turras com o governo federal. Quando o Senado aprovou a proposta de Autonomia do Banco Central, Maia disse que era favorável à proposta mas que não a considerava urgente.

Líderes aliados de Lira almoçaram com o presidente da Câmara em sua casa nesta 3ª feira para discutir a votação do projeto. Também compareceram o ministros Paulo Guedes (Economia) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), além do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

BC AUTÔNOMO

O presidente do BC e os 8 diretores terão mandatos com prazos específicos, o que limita os poderes do Poder Executivo sobre a autoridade monetária. De acordo com o texto que será votado, o objetivo fundamental do BC é “assegurar a estabilidade de preços”. O projeto também estabelece que, sem prejuízo do 1º item, a autoridade monetária tem que “suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”.

Caso Roberto Campos Neto seja reconduzido no comando do BC depois da aprovação da proposta –como é previsto– ele ficará no cargo até o fim de 2024, no meio do mandato do próximo presidente da República. Poderá ser nomeado mais uma vez, caso haja concordância de quem estiver no Palácio do Planalto nessa época.

Os mandatos dos diretores também estão definidos. O texto não estabelece, porém, quais são os anos de trabalho para cada área do Banco Central.

Outros países têm bancos centrais independentes. Na América Latina, o Chile e a Argentina aprovaram a autonomia antes de 2000. A discussão é antiga no Brasil.

As principais funções prioritárias são a proteção do poder de compra da população (controle da inflação) e a estabilidade do sistema financeiro. Alguns bancos centrais adotam objetivos mais amplos, como o desenvolvimento econômico e o crescimento do emprego.

Se aprovado o projeto, o Banco Central do Brasil terá 4 objetivos, sendo a estabilidade de preços a meta fundamental. Terá também de zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego.

Em novembro, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, sinalizou que o trecho do artigo sobre o “fomento ao emprego” pode dar margem para que governos com política econômica desenvolvimentista abram mão do controle dos preços.

“O Banco Central tem a visão do que o mais importante e o que precisa ser preservado é a meta de inflação. Nós entendemos que no mundo emergente se dá muita força no emprego, onde nem tem ferramentas para atuar nisso. Acaba gerando um equilíbrio ótimo-ruim, porque no final você nem vai ter emprego e nem vai ter inflação controlada e, muito provavelmente, a falta de controle da inflação vai gerar desemprego”, disse Campos Neto em live do Instituto ProPague.

A autoridade monetária deve criar regulamentos para que o fomento ao emprego seja feito sem prejudicar o controle inflacionário.

A Argentina é um exemplo de país que adota um leque maior de objetivos, como a equidade social. Conheça a atuação do Banco Central de outros países.

COMO FICA O NOVO BANCO CENTRAL

O projeto em discussão estabelece que a diretoria do BC será composta por 9 membros, sendo um deles o presidente da autoridade monetária. A composição não altera a formação da estrutura atual. Também mantém que todos serão nomeados pelo presidente da República. Deverão atender aos seguintes pré-requisitos:

  • sejam brasileiros idôneos;
  • tenham reputação ilibada;
  • tenham notória capacidade em assuntos econômicos-financeiros ou comprovados conhecimentos que os qualifiquem para a função.

A aprovação do nomeado para os cargos continuará sendo feita pelo Senado Federal. Outras medidas que o texto estabelece:

  • começo de mandato – será sempre no 1º dia útil do 3º ano de cada governo;
  • criação de mandatos – o período de permanência do presidente e dos diretores será de 4 anos. Hoje não há prazo definido;
  • possibilidade de recondução – o presidente e os diretores do BC poderão ser reconduzidos só uma vez aos respectivos cargos.

O mandato do presidente do BC terá duração de 4 anos, com início no dia 1º de janeiro do 3º ano do mandato do presidente da República. Os mandatos dos diretores do BC terão duração de 4 anos, observando-se a seguinte escala:

  • 2 diretores terão mandatos com início no dia 1º de março do 1º ano de mandato do presidente da República;
  • 2 diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do 2º ano do mandato do presidente da República;
  • 2 diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do 3º ano do mandato do presidente da República;
  • e 2 diretores terão mandatos com início no dia 1º de janeiro do 4º ano do mandato do Presidente da República.

O presidente do Banco Central só poderá ser demitido em 4 hipóteses, se a proposta for aprovada:

  • a pedido;
  • no caso de enfermidade que incapacite o titular para o exercício do cargo;
  • quando for condenado em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado pela prática de improbidade administrativa ou crime que que pena acarrete na perda do cargo;
  • quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos.

Os ocupantes dos cargos de presidente e diretor não poderão exercer qualquer outra atividade profissional, exceto a de professor. Não poderão manter participação acionária direta ou indireta em instituições financeiras que estejam sob supervisão ou fiscalização do BC.

Depois que o presidente ou diretor sair do BC, terá que esperar 6 meses para ocupar cargo no setor financeiro. O período serve para que o ex-presidente não possa usar informações às quais teve acesso por causa do cargo que ocupava para beneficiar seu novo empregador.


Fonte: Poder360