Redação –
A Câmara dos Deputados aprovou nesta 3ª feira (4.mai.2021) o projeto que revoga a LSN (Lei de Segurança Nacional) e tipifica o que os deputados chamaram de “crimes contra o Estado Democrático de Direito”.
O projeto é o PL (projeto de lei) 2.462 de 1991. O texto que efetivamente foi aprovado é o substitutivo (leia a íntegra, 172 KB) elaborado pela relatora, Margarete Coelho (PP-PI). A proposta foi aprovada por 343 votos a 75.
O projeto criminaliza o disparo em massa de notícias falsas em tempos de eleição e aumenta a pena de crimes contra a honra quando o alvo é um presidente de Poder.
Também descreve crimes como sabotagem, atentado à soberania, espionagem, golpe de Estado, entre outros. Saiba mais sobre a proposta aprovada mais adiante nesta reportagem.
A discussão sobre a Lei de Segurança Nacional veio à tona depois de os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), sugerirem em transmissão na internet que o tema seria debatido no Congresso. As declarações foram em 7 de abril.
A LSN foi instituída em 1983, nos últimos anos da ditadura militar.
Deputados bolsonaristas foram contra a mudança na LSN. O líder do PSL na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), chegou a questionar se a forma como a discussão se dava era um recado ao governo federal.
Ele se referia especificamente à parte que fala sobre fake news em época de eleição. A campanha de Jair Bolsonaro foi acusada de espalhar notícias falsas em 2018, quando venceu a disputa pelo Planalto.
A pressa da cúpula da Câmara para votar o projeto é motivada pela possibilidade de o STF derrubar o mecanismo ou alterá-lo. O Legislativo quer decidir por si.
A Lei de Segurança Nacional tem sido usada pelo governo federal contra seus críticos. Um dos casos mais famosos foi o do influenciador digital Felipe Neto, intimado com base na lei depois de dizer que Jair Bolsonaro é um genocida.
O STF (Supremo Tribunal Federal) também usa o dispositivo. O ministro Alexandre de Moraes citou a lei quando mandou prender o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), por exemplo.
Também há uso da lei fora da esfera governista. O Cidadania (ex-PCB) pediu à PGR que investigasse Bolsonaro com base na LSN.
PRESIDENTES DE PODER
O texto aprovado sugere que a pena seja maior quando um crime contra a honra é cometido contra o chefe de um dos Poderes. Há na LSN artigo que criminaliza calúnia e difamação dos ocupantes desses cargos, com pena de 1 a 4 anos de prisão.
Na prática, aumenta a possibilidade de alguém ser enquadrado dessa forma, já que os crimes contra a honra incluem também injúria, que não é citada na LSN. Mas reduz as possíveis penas.
A maior punição a um crime contra a honra, excluída a injúria racial, é de 2 anos, para calúnia. Mesmo com o acréscimo de 1/3 sugerido a pena seria menor do que os 4 anos da LSN.
Caso o crime contra a honra seja uma injúria que envolva componentes raciais, étnicos, religiosos e outros fatores relativos a minorias, a pena pode chegar a 4 anos. São os 3 anos já presentes no Código Penal mais o aumento de pena em 1/3 se o alvo for presidente de Poder.
O presidente da República já está na redação atual do Código Penal. O artigo 141 da lei ficará assim se o relatório da deputada for aprovado (o Poder360 marcou em amarelo o que a proposta adiciona, as demais partes já constam do dispositivo):
Art. 141 – As penas cominadas neste Capítulo [crimes contra honra] aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
I – contra o presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
II – contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra o Presidente do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal.
III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.
IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria.
- 1º – Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro.
O deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) foi preso por determinação do Supremo com base na Lei de Segurança Nacional. O artigo, atualmente em vigor, que pune calúnias a presidentes de Poder foi citado na decisão do ministro Alexandre de Moraes, que mandou Silveira para a cadeia. Hoje o deputado está em prisão domiciliar.
O texto de Margarete Coelho tem 2 trechos para proteger manifestações. Um diz que criticar os Poderes constituídos não é crime. O outro estabelece pena para quem impedir “mediante violência ou grave ameaça” manifestações políticas pacíficas. Podem ser até 12 anos de cadeia, caso a ação resulte em morte.
Art. 359-O. Promover, ofertar, constituir, financiar, ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos capazes de colocar em risco a higidez do processo eleitoral, ou o livre exercício dos poderes constitucionais.
Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Consta no texto aprovado a possibilidade de partidos políticos moverem ação baseada em tipos penais do capítulo “dos crimes contra o funcionamento das instituições democráticas nas eleições”, caso o Ministério Público não o faça.
“GRAVE AMEAÇA”
Cinco dos artigos criados pelo projeto no Código Penal citam “grave ameaça”, o que pode ser interpretado de várias formas. Hoje, o juízo sobre tais ameaças é elástico. Por exemplo:
- Cadeia para deputado – o obscuro Daniel Silveira (PTB-RJ) sugeriu ter desejo de espancar ministros do STF (seria uma “grave ameaça”). Foi preso. Até hoje, 2 meses depois, está em reclusão domiciliar e usando tornozeleira eletrônica;
- Liberdade para apresentador – Danilo Gentili, que tem 29,3 milhões de seguidores somados no Facebook e no Twitter, sugeriu que a população “entrasse” no Congresso “e socasse todo deputado” por causa da PEC da imunidade parlamentar. Poderia ser também uma “grave ameaça”. Gentili está livre e sem risco de punição.
Os crimes tipificados que incluem “grave ameaça” são os de atentado à integridade nacional, insurreição, golpe de Estado e atentado a direito de manifestação.
Também o de conspiração, que não cita o termo diretamente, mas está relacionado aos crimes de insurreição e golpe de estado.
A proposta não coloca na lei o que é “grave ameaça”. Como há subjetividade no conceito, se o projeto for aprovado caberá aos juízes decidir o que pode ser enquadrado dessa forma.
O projeto, por outro lado, não usa em momento algum o tremo “subversão”, um conceito que está na atual Lei de Segurança Nacional e também pode ser interpretado de diversas formas.
Eis a íntegra dos tipos penais que citam “grave ameaça”:
Atentado à integridade nacional
Art. 359-J. Praticar violência ou grave ameaça com a finalidade de desmembrar parte do território nacional para constituir país independente:
Pena – reclusão, de dois a seis anos, além da pena correspondente à violência.
Abolição violenta do Estado Democrático de Direito
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
Pena – reclusão, de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência.
Golpe de Estado
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos, além da pena correspondente à violência.
Atentado a direito de manifestação
Art. 359-S. Impedir, mediante violência ou grave ameaça, o livre e pacífico exercício de manifestação de partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos, órgãos de classe ou demais grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos:
Pena – reclusão, de um a quatro anos.
- 1º Se resulta lesão corporal grave:
Pena – reclusão, de dois a oito anos.
- 2º Se resulta morte:
Pena – reclusão, de quatro a doze anos.
Aumento de pena
Art. 359-U. Nos crimes definidos neste Título, a pena é aumentada:
I – em um terço, se o crime é cometido com violência ou grave ameaça exercidas com emprego de arma de fogo;
II – em um terço, cumulada com a perda do cargo ou da função pública, se o crime é cometido por funcionário público;
III – em metade, cumulada com a perda do posto e da patente ou da graduação, se o crime é cometido por militar.”
Fonte: Poder360
MAZOLA
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A incapacidade de mexer nesse “entulho” reflete as dificuldades do regime de transição no país. Isso inclui, por exemplo, a LSN e a Lei da Anistia, de 1979, até hoje questionada… até quando?