Por Luiz Carlos Prestes Filho –
Considerando que a cidade do Rio de Janeiro tem 94 escolas de samba e cada uma delas tem a sua Ala de Compositores, que apresentam todo ano obras musicais originais na Marquês de Sapucaí, no Centro, e na passarela da Estrada Intendente Magalhães, no Campinho, me parece que Cacá Diegues não foi delicado ao afirmar que: “O samba acabou virando um ritmo de marcha, desfilando no Sambódromo de ingresso proibitivo”.
Ele demonstrou que desconhece o que produzem músicos, arranjadores e interpretes de 12 escolas de samba do Grupo Especial; 14 do Grupo de Acesso “A”; 16 agremiações mirins de crianças; e 40 dos grupos “B”, “C”, “D” e “E”. Na frase, publicada no jornal “O Globo”, em 8/6/20, sinto rejeição a produção atual de compositores extremamente dedicados a suas comunidades.
Curioso que as políticas públicas e empresariais nunca chegaram às quadras das 94 escolas de samba como chegaram nas últimas décadas, em doses milionárias, aos cineastas brasileiros, eleitos para realizar filmes com altos orçamentos. Sempre esquecidas, as agremiações carnavalescas não tem nem sequer rubrica no Plano Plurianual do Brasil, nem nos orçamentos do Ministério da Cultura ou naqueles das secretarias estaduais e municipais de cultura. Isso, apesar de estarem estabelecidas em locais distantes da zona sul, onde estão os bairros de moradia da elite cinematográfica carioca.
As escolas de samba, sem qualquer apoio institucional, atendem o seu povo, composto na sua maioria por afro-brasileiros, com cursos nas áreas de dança e música, artes plásticas e literatura. Também, são centros para a realização de projetos sociais e educacionais, profissionalizantes e de campanhas na área de saúde. Por tanto, mereciam reconhecimento e um suporte considerável.
O carnaval que era realizado entre as décadas de 1930-1980 hoje seria impossível de reproduzir. As inovações científicas e tecnológicas, após a construção do Sambódromo, transformaram a festa no Maior Espetáculo da Terra. Assim como aconteceu com o cinema, o carnaval virou um produto digital, teve que se adaptar às exigências dos novos tempos. Inclusive, com responsabilidades seríssimas para com a indústria do entretenimento.
A visão de que os ingressos do Sambódromo são “proibitivos” oculta a informação de que outros milhares que são disponibilizados gratuitamente para as escolas de samba distribuírem aos seus componentes, além daqueles vendidos a preços populares. Por outro lado, o desfile das escolas de samba mirins no Sambódromo, e o das 40 escolas da Estrada Intendente Magalhães, são gratuitos.
Sobre o samba ter virado “marcha militar”, me parece um exagero. As músicas e letras são aprovadas pelas comunidades, através de votação popular. Vence a melhor.
Outra vez, assim como o cinema, o carnaval está em busca de novas linguagens e padrões. Nem sempre os caminhos das novas gerações são aceitos pelos mais velhos. O samba de Noel tem um jeito diferente do samba do Martinho, o samba do Cartola é diferente do samba do Zeca. Mas todos estão no mesmo universo da alegria.
LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).
MAZOLA
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