Redação

Fundo financia principais áreas; Vantagem infla salários no DF; Capital tem renda mais alta.

O Distrito Federal não destina recursos vultosos à Polícia Militar, mas possui viaturas Toyota Corolla (cujo preço unitário ultrapassa R$ 100 mil) e os policiais com o maior salário inicial do Brasil. Qual é a mágica? Uma parte significativa de tudo isso é pago não com recursos distritais, mas com dinheiro da União.

Soma-se ao gasto arcado por Brasília parte do bilionário FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal). A verba é em favor do poder público local, mas conta como despesa do governo federal. Por isso há dinheiro para os Corollas.

O FCDF está no texto constitucional – a lei que o regulamenta é de 2002.

No início, seus recursos eram destinados ao sustento das polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros de Brasília. Depois, passou a fornecer verbas também para saúde e educação. A Polícia Penal, criada no papel no fim de 2019, também terá recursos vindos do fundo.

Trata-se de uma grande vantagem de Brasília sobre os demais Estados brasileiros. Em 2019, foram R$ 14 bilhões de recursos extras. Em 2020, a cifra deve ficar por volta de R$ 15,7 bilhões, na estimativa feita antes da crise do coronavírus (passe o mouse sobre o gráfico para visualizar os números).

O benefício corresponde a 36,4% de toda a receita de R$ 43,1 bilhões do Distrito Federal. Os gastos do FCDF podem ser acompanhados por meio do Portal da Transparência do Governo Federal.

Somado o repasse do FCDF, “o gasto [per capita] com segurança no DF é quase 7 vezes maior que a média nacional”, diz Arthur Trindade, professor da UNB, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal.

Trindade diz que os resultados na área são bons: “Acima de 70% dos brasilienses dizem confiar na polícia ou confiar muito na polícia. É diferente de outras polícias, que a população tem medo”.

O professor afirma que há pouco investimento vindo do Fundo Constitucional. O mecanismo paga pessoal, custeio e previdência. Os salários altos atraem candidatos mais qualificados nos concursos da Polícia Militar.

Trindade aponta uma ineficácia no uso do fundo. “O FCDF é da União, é dinheiro dos outros. Os governos do Distrito Federal frequentemente davam aumento [às polícias] não salarial, porque precisaria passar pelo Congresso [devido ao uso do fundo], mas aumento nas gratificações”.

A última edição do anuário elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (leia a íntegra, 4 Mb), com dados de 2018, mostra a despesa per capita de Brasília com segurança em R$ 284,16, a 5ª mais baixa entre os Estados do país.

O mais alto, no anuário mais recente, é o Acre: R$ 674,08. São Paulo, com R$ 251,45 é o 2º mais baixo. O levantamento computa apenas os gastos bancados pelo caixa dos Estados. Ou seja: o FCDF não é considerado nos números do Distrito Federal.

Segundo o pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Claudio Hamilton, o que o FCDF adiciona aos serviços públicos de Brasília equivale à arrecadação de Estados com população maior que o Distrito Federal.

Hamilton cita o Mato Grosso do Sul, cujo Orçamento é de R$ 15,8 bilhões em 2020. Também fala do Maranhão. O Estado tem mais que o dobro dos habitantes de Brasília –7,075 milhões contra 3,015 milhões, na estimativa do IBGE para 2019– e sua arrecadação no ano passado foi de R$ 16,14 bilhões.

A comparação com o Orçamento de outros Estados deve ser feita com o repasse do FCDF, e não com o Orçamento do Distrito Federal. Brasília não arrecada apenas os impostos estaduais, mas também os que no resto do Brasil vão para municípios –como o IPTU.

[A situação] desagua em o DF poder prestar serviços públicos de muito melhor qualidade. Principalmente porque paga muito mais do que os outros entes da Federação”, afirma o pesquisador (passe o mouse sobre os gráficos para visualizar os números).

O privilégio concedido ao Distrito Federal se soma a uma situação socioeconômica que é fora da curva do país. Brasília tem a maior renda per capita entre os Estados. Com folga.

A riqueza é distribuída de forma desigual na geografia de Brasília. Levantamento da Codeplan (Companhia de Planejamento do Distrito Federal) com dados de 2018 calculou a renda domiciliar média das regiões da capital e dividiu os resultados em 4 grupos. O critério é diferente do IBGE.

  • Grupo 1 (alta renda): Plano Piloto, Jardim Botânico, Lago Norte, Lago Sul, Park Way e Sudoeste/Octogonal.
    • População: 401.508 pessoas;
    • renda domiciliar média por mês: R$ 15.614.
  • Grupo 2 (média-alta renda): Águas Claras, Candangolândia, Cruzeiro, Gama, Guará, Núcleo Bandeirante, Sobradinho, Sobradinho II, Taguatinga e Vicente Pires.
    • População: 922.213 pessoas;
    • renda domiciliar média por mês: R$ 7.253.
  • Grupo 3 (média-baixa renda): Brazlândia, Ceilândia, Planaltina, Riacho Fundo, Riacho Fundo II, SIA, Samambaia, Santa Maria e São Sebastião.
    • População: 1.263.766 pessoas;
    • renda domiciliar média por mês: R$ 3.106.
  • Grupo 4 (baixa renda): Fercal, Itapoã, Paranoá, Recanto das Emas, SCIA/Estrutural e Varjão.
    • População: 307.466 pessoas;
    • renda domiciliar média por mês: R$ 2.465.

POUCO INVESTIMENTO

Claudio Hamilton conta que o FCDF cresceu com o boom econômico do Brasil nos anos 2000. Isso permitiu ao governo local dar aumentos a seus funcionários. Quando veio a crise econômica de 2015, esses aumentos ajudaram Brasília a passar por dificuldades fiscais mesmo com a ajuda do fundo bilionário.

Hamilton explica que dos R$ 14 bilhões de 2019, R$ 13,5 bilhões foram para pagar pessoal –incluindo R$ 5,7 bilhões para inativos.

Ou seja, sobra pouco para investimentos. “O FCDF é dedicado a pagar pessoal, não é usado para comprar GPS, por exemplo”, afirma o pesquisador.

O ex-secretário de Educação do DF Rafael Parente diz que o Orçamento de Brasília para a área é elevado em comparação com outros Estados. Os resultados, porém, não são condizentes com a disponibilidade de recursos.

“A gestão desses recursos não tem sido bem feita. É raro uma escola que não tenha problema de infraestrutura”, analisa Parente, que foi secretário de Educação do atual governador, Ibaneis Rocha (MDB).

O ex-secretário diz que é difícil fazer planejamento financeiro da área porque há incerteza sobre a quantia disponível. “Muitas vezes a gente autorizava o pagamento, a secretaria da Economia não fazia e colocavam a culpa na Educação”.

Claudio Hamilton diz que uma queda abrupta nos repasses causaria o caos em Brasília. O pesquisador defende que haja recursos extras, mas com uma calibragem. “A presença do aparelho do Estado na capital implica em excepcionalidades. A área precisa se organizar, ter uma estrutura mínima para que a capital fique funcional. E isso custa dinheiro. Não é incomum que capitais recebam adicionais”, afirma.

TEXTOS DO ESPECIAL DE 60 ANOS SOBRE BRASÍLIA:


Fonte: Poder360