Por José Carlos de Assis –
A política de preços da Petrobrás, desde o governo Temer, tem sido tão estúpida que justificou uma intervenção de Bolsonaro na empresa. A gritaria do mercado e a manipulação das ações refletem a chantagem neoliberal na economia, sob cobertura explícita da Rede Globo. Vi o noticiário de sexta-feira à noite da empresa. Contabilizei 15 minutos, dedicados integralmente a martelar contra a “intervenção” do Presidente da República na Petrobrás. Um excesso de crítica, sem paralelo inclusive do noticiário sobre o deputado-bandido.
Não sei qual política de preços será adotada pelo general que vai assumir a Petrobrás. Pode surpreender se cair fora da camisa de força neoliberal ideológica. Curiosamente, entre os generais nomeados por Bolsonaro, é um dos poucos com qualificação para fazer algo decente. Entretanto, o “mercado” pressionará por uma perfumaria para apaziguar os caminhoneiros, de forma a que tudo continue como está. O único problema, nesse caso, seria a contradição real com os interesses dos caminhoneiros, apadrinhados por Bolsonaro, e o mercado.
Não sou necessariamente contra generais na direção da Petrobrás. Geisel, um nacionalista ferrenho, foi um excelente presidente. Castelo Branco é exatamente o oposto. Um escravo do mercado que ousou aplicar aos combustíveis uma alta de 15% (diesel) e 10% (gasolina), na saída de uma greve de caminhoneiros, no rastro de outros aumentos e com forte pressão sobre os índices inflacionários. É um tecnocrata louco da escola de Guedes. Achava que a ideologia privatista protegia uma política antinacional e antipovo indefinida, por causa da ligação íntima com ele.
Os comentaristas da Globo e seus entrevistados selecionados navegam entre a má fé, a idiotice e a estupidez. A retórica é que a Petrobrás é uma empresa de mercado e tem que ajustar seus preços de acordo com preços internacionais. Isso, contudo, só vale se fôssemos uma economia altamente dependente de petróleo importado. Ao contrário, somos uma economia virtualmente auto-suficiente. O pouco que importamos, na margem, é compensado pelo que exportamos. Isso neutraliza o câmbio e possibilita a política de preços de combustíveis independente.
Essa situação, com o pré-sal, nos colocou numa posição ainda mais confortável. O fato de nos subordinamos a preços internacionais dos combustíveis mediante uma fórmula arbitrária, que nada tem a ver com o mercado – coisa que os comentaristas e entrevistados da Globo sequer mencionaram –, na realidade eliminou nossa vantagem comparativa em petróleo. No mesmo processo, a Petrobrás está sendo dilapidada pela privatização retalhada, cujo próximo passo, segundo Castelo Branco e Guedes, seria a privatização de suas refinarias.
Esse é o legado que o general encontrará, uma empresa, a maior da América Latina, antigamente orgulho do Brasil, em frangalhos.
Se a privatização acontecer, o sonho de internacionalização será realizado: com metade das refinarias privadas, não será mais possível uma política planejada de preços. Mas o general poderá virar tudo isso de ponta cabeça, mandando às favas as políticas entreguistas audaciosas desses neoliberais que não querem interferência política na Petrobrás, já que preferem a pilhagem privatista.
A melhor fórmula para enfrentar a questão dos combustíveis é recorrer à chamada política de preços pelo custo, historicamente adotada pela Petrobrás até a paranoia neolibera de 2019. Somam-se todos os custos e aplicam-se margens de lucro e de investimento. Ninguém poderá dizer que não é uma política responsável. É meio mercado (petróleo), e meio gestão. Não há nenhuma razão para que esse sistema não funcione. O mercado vai chiar, porque é estruturalmente especulativo e ganha na variação de preços das ações.
A alegação de que a Petrobrás é hoje uma empresa de mercado, que não deveria sofrer interferência política é uma patacoada. A Petrobrás é uma empresa de economia mista cujo controlador é o Estado, que tem que considerar o estado geral da economia. Seu objetivo não pode ser exclusivamente lucro. Os acionistas sabem ou deveriam saber disso. Deveriam também considerar que a política do PPI é uma indecência. Por ela, imputam-se ao preço interno do diesel e da gasolina produzidos pela Petrobrás as variações dos custos externos do óleo no Golfo do México, do transporte até o Brasil, da alfândega, dos impostos, do câmbio.
O objetivo último é tornar os preços dos combustíveis produzidos pela Petrobrás altos o suficiente para que se abra espaço de mercado interno para petrolíferas estrangeiras menos eficientes e em busca de maiores lucros. Entretanto, antes de alguns dias não saberemos como Bolsonaro vai se comportar em relação à Petrobrás, dirigida um general, e como esse general vai se comportar. Se recuarem na mudança da política, os caminhoneiros vão se manter em seu justo protesto. Se for adiante, Guedes, patrocinador no Governo de Castelo Branco numa área vital para o projeto neoliberal, terá de pedir o chapéu, caso tenha caráter.
Em qualquer hipótese, convém estabelecer uma constatação inequívoca: mesmo sem ganhar a greve, os caminhoneiros ganharam moral para derrubar um presidente da Petrobrás. Isso aconteceu, por enquanto, independentemente das pressões do mercado e graças às contradições neoliberais do governo Bolsonaro, que certamente não sabe do que se trata quando se fala em neoliberalismo, embora repita o conceito como um papagaio!
*Para não haver confusão com minha posição política em relação a Bolsonaro nesse episódio da Petrobrás, devo dizer que o conjunto dela, carregada de ódio, está em total confronto com o que penso. A questão da Petrobrás é um incidente isolado, que não sei se vai firmar-se numa direção nacionalista.
Pessoalmente, estou determinado a dedicar o restante da minha vida intelectual e política a apoiar quem seja capaz de derrotar Bolsonaro nas eleições de 2022.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

MAZOLA
Related posts
Editorias
- Cidades
- Colunistas
- Correspondentes
- Cultura
- Destaques
- DIREITOS HUMANOS
- Economia
- Editorial
- ESPECIAL
- Esportes
- Franquias
- Gastronomia
- Geral
- Internacional
- Justiça
- LGBTQIA+
- Memória
- Opinião
- Política
- Prêmio
- Regulamentação de Jogos
- Sindical
- Tribuna da Nutrição
- TRIBUNA DA REVOLUÇÃO AGRÁRIA
- TRIBUNA DA SAÚDE
- TRIBUNA DAS COMUNIDADES
- TRIBUNA DO MEIO AMBIENTE
- TRIBUNA DO POVO
- TRIBUNA DOS ANIMAIS
- TRIBUNA DOS ESPORTES
- TRIBUNA DOS JUÍZES DEMOCRATAS
- Tribuna na TV
- Turismo