Por João Claudio Pitillo e Roberto Santana Santos –

Ao analisarmos a pendenga envolvendo o Presidente da República Jair Bolsonaro e o Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, a primeira coisa que chama a atenção é a insubordinação do segundo perante o primeiro. Talvez essa seja a primeira vez em nossa história onde o Ministro emite ordens ao Presidente e o mesmo é obrigado a acatá-las (mesmo que a contra gosto). Essa tragédia é fruto direto do golpe de Estado de 2016, onde um condomínio reacionário se formou para gerir o Brasil a partir das ordens diretas de Washington. Nesse imbróglio, está a submissão do Presidente Bolsonaro à condição de “Rainha Louca”, que devido às sandices que propaga com relação à COVID-19, foi imobilizado pelo STF, Congresso Nacional e Forças Armadas.

Nesse contexto, surge a figura de Mandetta, içado pela grande mídia como uma parte “racional” do governo, longe das “polêmicas” do Presidente e seu clã familiar. No entanto, Luís Henrique Mandetta foi um daqueles deputados golpistas que desempenharam o papel ridículo de empunhar cartazes “Tchau Querida!” contra a Presidenta da República Dilma Rousseff quando da votação do impeachment. Herdeiro de uma longa linhagem de latifundiários do Mato Grosso do Sul e filiado ao Democratas, foi escalado no Ministério da Saúde de Bolsonaro para desmontar o SUS, abrindo mercado para os planos de saúde privados, setor que representa. Um dos seus primeiros atos foi acabar com o “Programa Mais Médicos”, que garantia atendimento a milhões de brasileiros, principalmente nas favelas e no interior, endossando os ataques bolsonaristas aos médicos cubanos, que atendiam onde a maioria dos seus pares brasileiros se recusavam a estar presentes.

O Ministro Mandetta passou a confrontar o presidente Bolsonaro sobre a melhor forma de tratar a pandemia de COVID-19 obedecendo à ótica dos liberais e do mercado. Por isso, angariou apoio do Congresso Nacional, STF e Forças Armadas, todos eles entreguistas e vendilhões, que acreditam poder contornar a pandemia o mais rápido possível para retomar o processo de venda do Brasil. Bolsonaro, que representa a radicalização disso tudo pela via do fascismo, possui uma maneira de encarar a pandemia que pode levar à destruição do “status quo” e instaurar um governo autoritário e centralizador. Aposta na hecatombe que a pandemia pode provocar para se impor perante a ordem burguesa de maneira autoritária.

O deputado Rodrigo Maia e o senador Davi Alcolumbre têm a missão de salvar o capitalismo dependente brasileiro e manter o Estado a serviço do capital estrangeiro. Jair Bolsonaro tem o mesmo objetivo, mas acredita poder fazer isso a partir de um projeto pessoal, onde a máscara das “eleições” e das “instituições” seriam retiradas e a política nacional passasse a ser organizada pelo seu círculo de colaboradores, em uma ligação direta com a Casa Branca, sem os intermediários do “mercado brasileiro”, como Maia e Alcolumbre. A pandemia de COVID-19, para além de tudo de ruim que possa proporcionar ao povo brasileiro, também está demonstrando as contradições internas do condomínio de poder que se apossou do Estado e do governo a partir do Golpe de 2016.

Disfarçado sob o manto da “ciência”, Mandetta prega o isolamento, não por se preocupar com a vida dos brasileiros, mas sim, para que o neoliberalismo volte a ser hegemonizado pelos liberais burgueses e não mais pelo fascismo de Bolsonaro, que acredita poder mantê-lo a ferro e fogo. Em nenhum dos dois casos o bem-estar da população está sendo observado, apenas a necessidade de salvar os banqueiros e grandes proprietários que estão a serviço do capital estrangeiro. Abraçados a dogmas reacionários e imersos em um anticomunismo fora de época, Bolsonaro e Mandetta representam faces distintas de uma mesma moeda; ambos obedecem os ditames vindos dos Estados Unidos, um do Pentágono, o outro de Wall Street. Seu ponto de encontro é a lentidão proposital nas parcas medidas econômicas que possibilitem os trabalhadores pobres realizarem a quarentena.

Bolsonaro, Mandetta, os militares, Maia e Alcolumbre são fantoches de uma disputa que é arbitrada em Washington. O golpe de 2016 foi para isso, recolocar o Brasil na condição de colônia e, nessa posição, as ordens são emanadas da metrópole. O povo humilde e trabalhador perderá com a vitória de qualquer um dos dois (Mandetta e Bolsonaro), que logo podem estar novamente juntos, basta que a crise passe a cacifar um projeto progressista e autônomo. O problema são as forças progressistas estarem dispersas e difusas, tratando a excepcionalidade do momento com a velha trivialidade eleitoral ou o vanguardismo autoproclamado, quando o mais importante é garantir as condições sanitárias e econômicas para que os trabalhadores possam realizar a quarentena. Do contrário, o pós-pandemia será mais uma rodada de vitórias dos de cima contra os de baixo.


João Claudio Platenik Pitillo – Doutorando em História Social pela UNIRIO, Especialista em História Militar e Pesquisador do NUCLEAS-UERJ.

Roberto Santana Santos – Doutor em Políticas Públicas pela UERJ. Professor da Faculdade de Educação UERJ.