Por Kakay

Presidente e seu ex-ministro da Justiça se merecem.

“Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. …
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos os Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confessasse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?”
– Fernando Pessoa, poema “Linha reta”

Todos nós temos compromisso com o destino do nosso país. Seja por omissão ou por participação ativa nas decisões que vão definir os rumos no próximo ano, seremos os responsáveis pela definição do que será o Brasil. Na atual conjuntura, é preciso coragem para escolher posições e assumir atitudes.

Como democrata, compreendo e penso ser saudável a alternância de poder. O governo, depois de 5 anos, deve dar lugar a outro. O drama da reeleição para o FHC custou muito caro a todos nós. Caro no sentido literal da palavra. E criou uma fissura nos movimentos democráticos.

Felizmente, o ex-presidente Lula não aceitou o canto da sereia e proibiu a emenda que o levaria ao 3º mandato. Naquele momento, ele teria sido eleito novamente sem fazer maiores esforços. Mas ele agiu como um estadista e portou-se com absoluto respeito ao Estado democrático de direito.

Porém, parafraseando o poeta baiano, “a vida dá, nega e tira”. O ato do então presidente Lula, de abrir mão de um 3º mandato, propiciou o começo do fim de uma era. Claro que ninguém poderia imaginar o caos que se anunciava. O Brasil fechou as portas para seu futuro e a tragédia foi se abatendo sobre todos nós. Aos poucos, fomos perdendo a identidade e até a alegria, que era uma marca do nosso povo.

Com a mais profunda dor, vimos o país ser arrastado de um espaço que conquistou em 8 anos, com o final da fome declarada pelo ONU, com respeito internacional, com empregos em profusão e com a satisfação de sermos donos das nossas vidas. E a barbárie instalou-se no Brasil. A catástrofe representada pelo Bolsonaro na Presidência diz muito sobre o país que queremos para nós e para os nossos.

Ele é um cultor da morte e um despreparado; desestruturou todos os avanços humanistas dos últimos anos. Destruiu a saúde, desmantelou a cultura, humilhou a ciência e desprezou a educação. Enfim, jogou o país no caos! Mas a democracia resiste e ainda não restou vencida na esperança de momentos melhores, inclusive na batalha contra o fascismo. Mas, eis que, no meio das trevas, o que parecia impossível começou a tomar corpo. O ex-juiz ativista, considerado culpado pela Corte Suprema por ter corrompido o sistema de justiça, resolve aceitar ser o candidato da ultradireita para competir com o fascismo.

Mas, eis que, no meio das trevas, o que parecia impossível começou a tomar corpo. O ex-juiz ativista, considerado culpado pela Corte Suprema por ter corrompido o sistema de justiça, resolve aceitar ser o candidato da ultradireita para competir com o fascismo e derrotar o humanismo. A direita desumana está com as garras divididas entre o criador e a criatura.

Lembramos de Augusto dos Anjos, no insuperável Versos Íntimos:

“Acostuma-te à lama que te espera
O homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.”

Não podemos nos esquecer de que Bolsonaro é filho direto do Moro. Foi uma combinação macabra que pariu o governo fascista e genocida que hoje arrasa o povo brasileiro.

Moro foi o principal eleitor nas últimas eleições. Instrumentalizou o Judiciário, mercadejou com a toga e, através de diversas imoralidades, deu a Presidência para o grupo bolsonarista, do qual ele era um dos dois principais artífices. Assumiu o todo poderoso Ministério da Justiça –prêmio pela ousadia de prender o principal adversário político de Bolsonaro– e usou o cargo para perseguir jornalistas, estudantes, intelectuais, ou quem fosse julgado por ele e pelo então chefe como contrário aos planos de dominação que dividiam.

É importante lembrar, repetir e divulgar todos os dias, até as eleições de 2022, que o cargo de ministro foi aceito ainda com a toga nos ombros, no mais evidente caso de corrupção da época. Por muito menos, os então procuradores da chamada força-tarefa de Curitiba teriam pedido a prisão do juiz e, fosse ele coerente e honesto, teria determinado a própria prisão. Depois veio o julgamento da Suprema Corte que pregou na testa do ex-juiz: incompetente, parcial e corruptor do sistema de justiça.

Num país que se levasse a sério, um juiz parcial que influenciou nas eleições para presidente da República jamais poderia ser candidato. Deviam ler Pessoa:

Aos que a fama bafeja, embacia-se a vida.”

É sempre salutar recordar que o racha entre Bolsonaro e Moro não se deu por razões republicanas, mas pela divisão do poder, uma briga de quadrilha. Na realidade, a “conja” acertou quando disse que os 2 eram uma só pessoa. E se merecem. Mas o povo brasileiro não merece a continuidade dessa tragédia.

Eles representam o fim da esperança e o prolongamento desta longa noite que adormeceu o país. O ar que faltou aos brasileiros pela gestão criminosa da pandemia vai continuar rarefeito pelo rapto das garantias constitucionais e das conquistas humanistas feito por esse grupo.
Esse é o jogo que está sendo jogado. E depende de cada um de nós o enfrentamento democrático contra a barbárie e a favor do humanismo. Criamos monstros, e esses, como hienas, sorriem enquanto comem as entranhas do povo brasileiro. Vale lembrar o velho provérbio espanhol:

“Cria cuervos y te sacaràn los ojos.”

ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 61 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros. Publicado inicialmente em o Poder360.


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NOTA DO EDITOR: Quem conhece o professor Ricardo Cravo Albin, autor do recém lançado “Pandemia e Pandemônio” sabe bem que desde o ano passado ele vêm escrevendo dezenas de textos, todos publicados aqui na coluna, alertando para os riscos da desobediência civil e do insultuoso desprezo de multidões de pessoas a contrariar normas de higiene sanitária apregoadas com veemência por tantas autoridades responsáveis. Sabe também da máxima que apregoa: “entre a economia e uma vida, jamais deveria haver dúvida: a vida, sempre e sempre o ser humano, feito à imagem de Deus” (Daniel Mazola). Crédito: Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre.