Por Sebastião Nery

Uma tarde, tocou o telefone na liderança do governo na Câmara Federal. Era o presidente Juscelino. Pedia urgência urgentíssima na aprovação do crédito de 8 bilhões para o asfaltamento da estrada Rio-Bahia. Às 8 da noite, o líder Abelardo Jurema ligou para o Catete: – Crédito aprovado, presidente.

Juscelino saiu do Planalto, foi jantar na casa do empresário mineiro Marco Pólo. E fez os maiores elogios a Jurema:

– É o líder mais barato que eu já tive. Me dá tudo e não pede nada.

O empreiteiro Spitzman Jordan ouvia a conversa, saiu e foi à casa de Jurema:

– Dr. Jurema, acabei de ouvir o Presidente fazer as mais calorosas referências ao senhor. Percebi que o que o senhor lhe pedir, ele dá. Tenho uma construtora. O senhor poderia pedir ao presidente que recomendasse ao DNER para me entregar um dos trechos?

– Dr. Jordan, o líder só cuida de problemas políticos.

– Dr. Jurema, podemos ver a coisa sob o aspecto político. O senhor é o candidato do PSD ao governo da Paraíba. Uma campanha eleitoral, hoje, exige muitos recursos. Posso depositar 100 milhões à disposição do PSD da Paraíba, para ajudar o partido. E, ajudando o partido, assegura sua eleição.

Abelardo desviou o assunto, falaram de outras coisas. Mas Jordan insistiu no asfalto da Rio-Bahia. Jurema encerrou a conversa:

– Doutor Jordan, se o senhor me conhecesse melhor já saberia que não é esse o tipo de política que eu faço. De qualquer maneira, se o senhor quer fazer o pedido ao Presidente, procure a bancada da Bahia. O asfaltamento foi uma reivindicação dela. Problema administrativo eu só encaminho os da Paraíba e por delegação da bancada ou do governador.

No dia seguinte, Spitzman Jordan procurou o senador Rui Carneiro, líder do PSD da Paraíba :

– Seu Carneiro, seu amigo Abelardo Jurema vai morrer pobre.

No governo de João Goulart, Jurema foi ministro da Justiça. No golpe militar de 64, foi cassado e exilado. E morreu pobre.

VAI SAIR RICO… – Outra história antiga e exemplar. Draiton Nejaim foi prefeito de Caruaru, em Pernambuco, e era deputado estadual da Arena. Francelino Pereira, presidente nacional do partido, foi a Recife, Draiton encontrou-o:

– Dr. Francelino, pode pôr nos seus cálculos que a Arena vai derrotar o deputado Fernando Lira em Caruaru e tomar a Prefeitura do MDB. Sou candidato e vou ganhar. Agora vai ser tudo diferente. Da outra vez, quando fui prefeito da UDN, me acusaram de roubo e eu saí pobre, inteiramente liso. Para me eleger deputado e depois eleger minha mulher, foi um sofrimento, um sufoco. Não se pode fazer política sem dinheiro, sem muito dinheiro, sobretudo no Nordeste. Desta vez vou sair rico da Prefeitura. Nunca mais volto a ser pobre.

– Sair rico, como, deputado? O senhor sabe o que está falando?

– Sei, sim, presidente. Vou roubar mesmo. Mas não vou roubar para mim. Vou roubar para nosso partido. Roubar para ter dinheiro e nunca mais a oposição ganhar eleição em Caruaru.

Francelino ficou perplexo:

– Mas isso é uma confissão louca, deputado. Não pode ser, o partido não pode permitir nem sequer ouvir isso. Seria um escândalo.

– Não, dr. Francelino, não vai ter escândalo, não. Ninguém fica sabendo. Tenho uma receita perfeita: calçamentos e aterro. Ninguém mede, nem conta nem pode fiscalizar calçamento e aterro.

Draiton derrotou o MDB, reelegeu-se prefeito de Caruaru. Não sei se cumpriu a palavra. Mas, só fez calçamento e aterro.

Asfalto e calçamento eram sinônimos de progresso. Tornaram-se símbolo de corrupção.


SEBASTIÃO NERY – Jornalista, escritor, conferencista e o principal autor sobre o Folclore Político brasileiro. Professor de Latim e Português, atuou nos principais órgãos de imprensa do Brasil. Trabalhou em jornais, rádios e televisões de Belo Horizonte, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Fundou e dirigiu jornais em Minas Gerais “A Onda”, Bahia “Jornal da Semana”, São Paulo “Dia Um” e Rio de Janeiro “Politika”. Correspondente internacional de jornais e revistas em Moscou, Praga e Varsóvia entre 1957 e 58; “Isto É” e diversos jornais em Portugal entre 1975 e 76, e na Espanha em 77; adido cultural do Brasil em Roma entre 1990 e 91, e em Paris entre 1992 e 93; foi deputado federal pelo Rio de Janeiro e Bahia, e vereador em Belo Horizonte. Atualmente escreve uma coluna publicada em jornais de 20 estados.