Por Lincoln Penna –
É preciso condenar os abusos e os crimes de lesa humanidade.
Uma das consequências do mundo desigual e injusto tem sido a formação e ampliação de áreas periféricas, tenham sido elas constituídas no plano da geopolítica internacional onde povos e formações nacionais se encontram à margem dos direitos básicos fundamentais, ou nos espaços das grandes metrópoles a abrigarem as populações mais vulneráveis porque desassistidas pelos poderes públicos.
As relações dessas periferias com os centros de poder têm sido marcadas por muita tensão, em parte decorrente da situação de precariedade devido à exclusão social e política que objetivamente existem de maneira a acirrar conflitos próprios dessa condição de contingentes sociais alijados de certos direitos; e, por outro lado, em razão de decisões emanadas das esferas de decisão que mantêm essa situação de desigualdade.
Como me reporto quase sempre em meus escritos sobre o Brasil e às suas relações com o mundo em geral, não seria diferente ao abordar a questão das periferias e as suas múltiplas manifestações que chamo de insurgências, cuja tendência tem sido cada vez mais frequente em razão do crescimento das desigualdades sociais e regionais. Mais recentemente volto a insistir a respeito do agravamento de uma situação não resolvida que tem atingido graus mais intensos de radicalizações.
Logo, registro desde já a coexistência de duas representações de periferias. De um lado, as que se situam no conjunto das relações sociais a envolver nações; e de outro àquelas que estão num estágio avançado de exclusão nos grandes centros urbanos das principais metrópoles situadas particularmente no hemisfério Sul. São situações análogas porque vítimas de exploração de seus contingentes sociais instados pela situação em que vivem à recorrerem a insurgências diante dessa opressão.
O grau de empobrecimento e de progressiva perda de meios básicos de sobrevivência das camadas sociais submetidas a contínuas formas de espoliação tem ensejado mecanismos legais e por vezes extralegais de resistência diante do acúmulo opressivo que vem vitimando esses seres desprotegidos por estados que privilegiam os interesses dos que se locupletam das generosas fatias dos orçamentos mal destinados a quem de direito. Trata-se de uma constatação a ser considerada por parte de quem tenha a mínima sensibilidade em face dessa situação.
No que concerne ao que se passa nas relações entre estados-nações presentemente, os tipos de insurgências têm sido conduzidos pelos que representam os que mais sofrem. Em alguns casos, as formas dessas resistências diante da opressão são desenvolvidas com base em métodos violentos, em alguns casos em resposta à violência da própria opressão. Trata-se, como certa vez disse o padre Hélder Câmara, de uma espiral da violência, na qual a sua origem está exatamente na espoliação praticada pelo poder constituído ao exercer com força a defesa de uma ordem injusta.
Quanto às periferias nacionais, tal como o que se passa nas grandes cidades brasileiras, cujas formas são traduzidas pelas designações de favelas, mocambos, comunidades ribeirinhas, ou outras designações, elas não são menos resistentes à opressão. Geralmente desenvolvem lutas defensivas diante de ações desmedidas em nome de uma suposta segurança pública, cujas ações costumam macular o bom-senso ao agredir sem receio da punibilidade por parte de suas autoridades, igualmente coniventes com práticas disseminadas dessa natureza.
Se o século XXI registrar novas revoluções a exemplo do que aconteceu no século anterior, essas novas revoluções serão bem diferentes daquelas.
Esta diferença não está senão nas formas de enfrentamento que levou às experiências do passado nas tomadas de poder, muitos dos quais não se consubstanciaram inteiramente como pretendiam as suas lideranças originais, justo porque deixaram de lado a necessária participação popular representadas pelas classes subalternas hoje protagonistas das muitas insurgências que temos tomado conhecimento em nosso cotidiano.
Da mesma forma que as revoluções de libertação nacional, que deram origem aos países que trazem consigo as sequelas de longas gerações submetidas a uma continuada exploração, essas nações emergentes parecem ter como cenário mais comum entre elas a multiplicação de manifestações de indignação e revoltas associadas ao pesado contencioso da permanente exclusão social em que vivem amplas parcelas do povo onde tais realidades saltam aos olhos.
Diferenças, contudo, que não diferem no que diz respeito aos alvos prioritários dos novos insurgentes, ou revolucionários de tipo novo, uma vez que são as classes dominantes como no que se passou no século próximo passado que conduziram as lutas pela derrubada de regimes intolerantes e contrários aos interesses do povo. O desafio atual é ter a ciência em saber conduzir uma nova ordenação social realmente livre e soberana.
Assim, mudam -se as formas de organização e de luta, as táticas outrora empregadas, para dar provimento aos objetivos que continuam estratégicos, o governo de quem precisa corrigir as distorções que vêm se acumulando em virtude de um modo de vida excludente e que se faz privilegiando seletos indivíduos que se beneficiam com essa situação de miserabilidade dos que buscam tão somente sobreviver dignamente.
As muitas insurgências incapazes de ser contabilizadas porque se irradiam rapidamente e se desdobram em territórios que vão de pequenas comunidades até grandes áreas territoriais dão uma imagem do quanto a irrupção dessas formas de resistência tende a se multiplicar ao longo do século, caso medidas de austeridade e justiça social ampla e irrestrita não forem tomadas por quem têm um mínimo de discernimento. As consequências da maneira como vão as coisas resultarão na proliferação de mais intolerância da parte dos que detêm o poder, e mais agudas manifestações de ódio.
Essa química a reunir intolerância e ódio nós já presenciamos historicamente com o nazifascismo, cuja recorrência se dá quase sempre em tempos de crise de valores, sejam eles de ordem material ou de natureza ética. Nestes momentos, haja vista a ascensão dos fascismos redivivos, temos tido a perda dos valores da fraternidade e das práticas políticas. Naqueles tempos que vitimaram tantos cidadãos, e cujas memórias têm sido evocadas continuamente, é preciso condenar os abusos e os crimes de lesa humanidade.
Espero que os que prezam a consciência democrática e libertária possam reunir forças com vistas a evitar novos fracassos no campo político, que acabem viabilizando os atos contra a humanidade. Estar sempre vigilante no que diz respeito aos retrocessos que vêm sendo ensaiados no Brasil e no mundo é indispensável. Faz parte da defesa da vida e dos espaços democráticos.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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