Por Samara Portela – Sommelière –

Na Argentina, chama-se “maridagem” a união entre bebida e comida cujo objetivo é realçar o que há de melhor em ambas, sem que nenhuma perca suas qualidades ou seja ofuscada pela outra. O cenário ideal é que juntos sejam ainda mais saborosos do que consumidos por separado, bem parecido com um casamento.

Alguns casais têm tanta sintonia que parece que nasceram um para o outro. São as semelhanças de aroma, textura e intensidade, fatores importantes a se considerar na hora de dar match. Pratos e molhos leves pedem vinhos igualmente sutis, enquanto as preparações mais encorpadas almejam rótulos mais robustos. A mesma lógica se aplica quanto à exuberância no olfato. Ceviche é leve, porém altamente aromático, assim como a Sauvignon Blanc, fortes candidatos ao altar.

Quando estiver em dúvida, abra o Tinder, ops, o Google, para descobrir quais são os alimentos típicos que se consomem na região de origem do seu vinho e certamente encontrará um bom romance. Tradições locais são um dos melhores indícios de afinidade: em Rioja, o queijo de ovelha Manchego é o par perfeito para os rótulos à base de Tempranillo e em Bordeaux, surgiu o laço entre foie gras e o adocicado Sauternes. Quando forem à Salta, no pitoresco noroeste argentino, provem o floral e perfumado Torrontés com as empanadas de carne e vivam a bela nostalgia de um amor de verão.

Pois é, sempre há os vínculos inesperados, aqueles que todo mundo comenta que não têm nada a ver, mas contra todas as expectativas vivem felizes para sempre. São as harmonizações por contraste, que fazemos até sem perceber. É o salgado do churrasco com o amargo do vinho tinto, a gordura de um fondue de queijo com a acidez pungente do vinho branco e o doce Porto servido com o queijo Stilton para finalizar uma refeição com chave de ouro assim como os bem-casados depois de uma festa.

A regra é clara: poucos vinhos podem arruinar completamente um prato, porém boas escolhas elevam uma refeição de agradável a memorável. Como Josep Roca afirmou em entrevista ao “La Vanguardia”, nem sempre a harmonização perfeita é a mais adequada, pois além dos aspectos sensoriais, o componente emocional sempre deve ser ponderado. Entre a opção de oferecer um rótulo que combine tecnicamente com uma comida, ou servir um vinho da safra de 1980 para um cliente que estaria hoje celebrando 40 anos, a segunda opção é mais interessante.

Nos rituais do amor e da gastronomia, muitos caminhos funcionam sem a necessidade de seguir dogmas. Temos fases em que buscamos escolhas mais certeiras, voltamos às origens e ao lugar seguro. Em outras, queremos ousadia e fazemos apostas mais altas. Fundamental é confiar nos sentidos e arriscar sem medo neste lúdico jogo em que os acordos entre as partes valem mais do que o carimbo que está nos papéis.

SAMARA PORTELA es una sommelière de Rio de Janeiro viviendo en Buenos Aires, se recibió en la Escuela Argentina de Sommeliers y es licenciada en Historia del Arte. Ha trabajado en el servicio gastronómico y actualmente es consultora e investigadora de la cultura del vino.

SAMARA PORTELA is from Rio de Janeiro and lives in Buenos Aires. She has a certificate from Escuela Argentina de Sommeliers, CETT Barcelona. She also has a degree in Art History. Samara worked at the El Baqueano restaurant and she is currently a consultant and researcher on wine culture.