Por Miranda Sá

“Esquenta-me com a tua adivinhação de mim, compreende-me porque eu não estou me compreendendo” (Clarice Lispector)

No meu tempo de escola “risonha e franca”, que era também ingênua, brincávamos de adivinhas. Algumas se tornaram clássicas, como a que pergunta “o que é, que é, cai em pé e corre deitado?”, ou “quem é que anda com os pés na cabeça?”. As respostas todos sabem, chuva e piolho…

As adivinhas, como vimos nos exemplos acima, são brincadeiras necessárias ao estímulo para aguçar o raciocínio infantil. Utilizei-as muito com meus filhos e depois com os meus netos. Tem um site de Português do “Escola KIDS” com adivinhas inteligentíssimas que podem ser encontradas pelo link https://bit.ly/3hkf34E

Há diferença entre adivinha e adivinhação? Ambas são usadas como sinônimos, porque veem embrulhadas pelo papel celofane do verbo adivinhar; mas a sua diferença é refinada: Adivinha é charada, enigma, questão; e adivinhação é previsão, profecia, prognóstico.

Como verbete dicionarizado, Adivinhação é um substantivo feminino originário do verbo latino addivināre (de divināre ), previsão; suposição ou crença de que é possível prever o que está por vir, ou revelar o que está encoberto no presente e no passado.

Adivinhação é exemplificada num fato vivido pela sibilina deputada Carla Zambelli (aquela que propôs a Sérgio Moro que se submetesse aos desígnios pouco republicanos de Bolsonaro para ganhar cadeira no STF).

A parlamentar predisse que a Polícia Federal iria investigar governadores, e não deu outra: 24 horas depois Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, se enrascou de tal maneira com a investigação que está no caminho do impeachment…

Pensei que depois disto, se ela montar uma tenda de oráculos aberta a consultas, vai ganhar rios de dinheiro; há, porém, outros profetas políticos que não conseguem convencer ninguém.

Entre esses tais que não persuadem ao ler o futuro, tem um astrólogo, guru dos filhos do Presidente, que reclama por não ser ouvido, ameaçando raivoso até de revelar histórias do presidente Jair Bolsonaro se não receber atenção; talvez por isso, mesmo sem crédito na adivinhação, mantém vários pupilos em importantes cargos do governo federal.

Ao meu ver, ser adivinhão é uma profissão de risco. Tem uma história que corre com os camelos nos desertos da Arábia contando que o general Hedjaz, no reinado do califa Valid, consultou um astrólogo íntimo das constelações e dos cometas; e o atendente preparou o mapa astral do consulente e decretou:  – “Vais morrer em breve”.

Hedjaz ficou por instantes pensativo e agradecendo o augúrio disse: -“Confio tanto no seu conhecimento do destino, que desejo tê-lo ao meu lado na vida após a morte. Irás na frente, preparar a minha chegada”. E mandou decapitar o agourento…

Não sei se ocorre pelo mundo afora, mas no Brasil a adivinhação é contravenção penal. O artigo 27 da Lei de Contravenções Penais alcança videntes, cartomantes e adivinhões dedicados a “ler a sorte” por “explorar a credulidade pública mediante sortilégios, predição do futuro, interpretação de sonhos, ou práticas congêneres. ”

Esta Lei vem sofrendo de baixa consideração, mas está viva. A professora e pesquisadora Maíra Zapater nos dá sobre ela um pensamento antológico: – “Não obstante seu perfume de bolor e naftalina e os muitos dispositivos derrogados por normas posteriores ou mesmo não recepcionados pela Constituição Federal, a Lei de Contravenções Penais continua em vigor”.

Mesmo nos tempos imprevisíveis que atravessamos, das baboseiras do “politicamente correto” que condena o filme “…E O Vento Levou”, querendo deletar o passado com a sua soberba ignorância; surgem falsos profetas à esquerda e à direita recuperando o viço pressagiando uma volta ao passado, seja para surfar na corrupção lulopetista, seja para mergulhar num pântano ditatorial dos extremistas de direita.

Em tempo: A Deputada adivinhona não previu que seria investigada como instigadora de atos antidemocráticos, nem que o ministro Weintraub cairia, e muito menos que achariam e prenderiam Queiroz em Atibaia ….  E assim, me perdeu como cliente…


MIRANDA SÁ – Jornalista, blogueiro e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã. Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.