Por Lincoln Penna

Há um ano das eleições presidenciais vale a pena dar início ao debate eleitoral.

Já é tradição brasileira a antecipação do calendário das campanhas. Ao contrário daqueles que criticam o seu início por julgar prejudicial diante de tantas dificuldades que o País atravessa, justamente por isso é preciso que discutamos os rumos a serem dados de modo a superarmos esse panorama adverso.

Tem se falado muito sobre uma terceira via. Com ela o eleitor que não toma partido entre Bolsonaro e Lula, ou que os desprezam por razões diversas, teriam a oportunidade de descarregar seus votos numa candidatura não alinhada a nenhum dos dois. E esta candidatura se beneficiaria das altas taxas de rejeição dos dois.

Essa lógica matemática, de vez que somariam cerca de pelo menos 40% de eleitores insatisfeitos pela polarização, não parece ter respaldo simples assim. Historicamente, é bom lembrar, mais ou menos esse percentual sempre esteve indiferente ou em busca de uma candidatura a ser definida às vésperas das eleições. Trata-se de um eleitorado apartidário e que só se toca no instante em que deve votar.

Esses eleitores não mobilizados por partidos políticos, por adesões espontâneas e muito menos por ideologias firmadas e formalizadas por vieses que os coloquem na direita ou na esquerda, geralmente respondem pelas vitórias eleitorais. Chamam-nos de alienados, desprovidos de convicções políticas, quando na verdade agem politicamente sem que suas ações possam ser previamente caracterizadas.

Cabe aqui um registro a ajudar nessa argumentação. Gyorg Dimitrov, que foi secretário geral da Internacional Comunista de 1934 a 1943, no ano de 1935 formulou a concepção de Frente Única em face da ascensão nazi fascista que parecia irreversível e capaz de atropelar todas as correntes políticas fossem elas de esquerda ou da direita liberal. Ao ser questionado pelos mais resistentes a sua proposta, teria respondido com firmeza: para enfrentar a agressão fascista só pode existir uma via única.

Essa via única tinha um só objetivo imediato, o de barrar a rápida progressão da fúria do fascismo.

Não se propunha a mais nada, uma vez que todos os seus componentes tinham seus próprios objetivos programáticos, inclusive os comunistas, que não abririam mão de seus projetos revolucionários, e tampouco os liberais das burguesias afetadas pelas hordas fascistas. Cada qual buscando tão somente se livrarem do mal maior. A única via então preconizada existe objetivamente no campo democrático, independentemente das formulações de democracia, sejam elas burguesas ou de cunho popular e libertário.

No caso do Brasil às vésperas do ano eleitoral de 2022, cabem essas reflexões ancoradas na história do agitado século XX muito presente ainda entre nós. Assim, ou bem consideramos que estamos numa conjuntura marcada por embates políticos e ideológicos e com a ascensão de uma ultra direita, a reproduzir consignas e objetivos que nos fazem lembrar o fascismo, ou desprezamos essa ameaça. E neste caso tratemos de sustentar, cada corrente política, no amplo espectro democrático as perspectivas e projetos político-partidários, sem temer maiores retrocessos.

A única via deve privilegiar o rechaço do atraso criminoso, que expõe a vida dos mais vulneráveis numa sociedade que tem aprofundado ainda mais as desigualdades sociais e o desprezo absoluto pelos valores civilizatórios. Nestas condições, e por razões até de ordem prática deve-se priorizar as candidaturas do campo democrático que reunirem maiores condições de vitória, mesmo que não caiam no agrado de muitos dos eleitores que gostariam de apostar ou de reafirmar seus próprios programas de governança, mas a hora exige o voto útil.

A lição dolorosa que as forças democráticas e libertárias tiveram com a derrota na Guerra Civil Espanhola (1936-1939), quando a extrema direita do general Francisco Franco com a ajuda dos países fascistas (Alemanha e Itália) implantou um regime assemelhado ao fascismo, que perdurou por mais de três décadas, é bem significativo, pois não estamos em situação tão diferente como pode se pensar.

Até porque as mesmas forças que apostaram no desmonte do nosso Estado do bem-estar precário, mas existente, não desejam um Estado forte e capaz de coordenar as políticas públicas e estratégicas num mundo onde tais políticas são fundamentais para a soberania nacional. Logo, se encontra em jogo vários interesses do povo brasileiro, que têm sido objeto de uma fúria destruidora por parte do atual governo, cujo único intuito é exatamente este, o de liquidar as poucas, porém, fundamentais conquistas alcançadas com muito esforço e determinação.

Não se pode correr o risco de uma nova derrota por capricho político. Existem interesses comuns, nem sempre valorizados em virtude de preciosismos ou pelo sempre e desastroso sectarismo, que só enxerga os seus próprios postulados, sem entender que a polarização existente não se resume a nomes, mas ela existe porque estamos a enfrentar uma nova encruzilhada. Ou bem seguimos o caminho da democracia compartilhada – nada tendo a ver com as velhas conciliações, embora se corra essa ameaça – ou vamos, em nome da pureza ideológica, sorver nova derrota.

A fera da nova versão do fascismo está ferida, mas não está morta.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.


Tribuna recomenda!