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A invisibilidade das Cracolândias
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A invisibilidade das Cracolândias

Por Herédia Alves –

As margens da linha de trem da supervia, a violenta comunidade do Jacarezinho abriga uma das maiores Cracolândias do Rio de Janeiro, que nessas noites gélidas de inverno encontram-se esquecidos tanto pelo poder público que se limita a tentar abordagens buscando levá-los a abrigos da prefeitura sem sucesso, quanto pela maior parte sociedade que os criminalizam.

A marginalização dos usuários que freqüentam o local, são um pano de fundo para desqualificar as vidas que ali existem, bem como para justificar as remoções, intervenções policiais e violações de direitos humanos nas mais diversas esferas. Estamos diante de um “fenômeno social”, caracterizado por sujeitos abandonados e marginalizados socialmente, associados a espaços de extrema vulnerabilidade conhecidos como “cracolândias”, uma área composta prioritariamente por usuários de crack de todas as esferas sociais.

Esses homens e mulheres são marcados pela invisibilidade e desigualdade social, muito antes de chegarem a esses espaços desqualificados socialmente e sem nenhuma perspectiva de vida ou política social ou de governo que viabilize uma condição melhor, fazendo com que o consumo de droga aumente. Nesse cenário, que traz marcas profundas a essa parcela da população que é invisível ao Estado, as condições de moradia são extremamente precárias, as perspectivas de tratamento de saúde são baixíssimas, assim como de trabalho ou estudo são praticamente nulas, o que aumenta consideravelmente as possibilidades de violência sexuais e físicas.

A localidade expõe diversas violações de Direitos Humanos, evidencia a necropolítica e a falta de políticas de combate as drogas, que são utilizadas como justificativa não só para a criminalização dos que ali vivem, mas também para o encarceramento em massa e desconstrução dos territórios utilizados pelos usuários. Na contramão do abandono, o Instituto Anjos da Liberdade, uma reconhecida instituição do terceiro setor, atua na região através do Projeto Anjos Contra o Crack, que desde 2012 possui reconhecimento internacional devido aos trabalhos desenvolvidos junto as Cracolândias do Rio de Janeiro.

O Projeto Anjos Contra o Crack, foi criado pela advogada Flávia Fróes, presidente do Instituto, que preocupada com a disseminação da droga no Estado do Rio de Janeiro, lançou uma cartilha informativa visando levar esclarecimentos aos traficantes da cidade maravilhosa, sobre os efeitos devastadores da droga e assim tentar que sua comercialização não prosperasse no Estado.

Com êxito em inúmeras comunidades, que deixaram de comercializar a droga devido a conscientização levada através da cartilha do Instituto, o trabalho desenvolvido pelo instituto despertou o interesse da imprensa internacional, que produziu diversos documentários acerca do renomado projeto social. Em 2013, o Instituto Anjos da Liberdade inaugurou o Centro de Formação Profissional Siro Darlan, pensando na capacitação dos que ali vivem sem perspectiva de vida, o nome do Espaço, foi pensado em razão do notório ativismo no campo dos Direitos Humanos e do comprometimento com as causas sociais do cidadão e jurista Siro Darlan de Oliveira.

Ao longo dos 10 anos do projeto, semanalmente a “Tia Loira do bom bom”, forma como a presidente da instituição é conhecida no espaço, viabiliza a entrega de mais 200 refeições no espaço, além de levar roupas, cobertores e água para que os que ali sobrevivem tenham acesso ao mínimo de dignidade e humanização. Atualmente, a instituição vem buscando apoio para o projeto que ameniza os efeitos da pobreza menstrual que assola as centenas de mulheres que ocupam o espaço sem acesso ao mínimo de condições de higiene ou absorventes, levando absorventes, lenços umedecidos e materiais de higiene.

Prestes a completar 20 anos de existência o Instituto Anjos da Liberdade, que mantém o Projeto Anjos Contra o Crack, com recursos da própria presidente e alguns parceiros, além de advogados voluntários que integram a equipe de Anjos que abraçaram essa causa, que durante a pandemia atuou na localidade levando máscaras doadas pelo MPT através do Projeto Ação Integrada, álcool em gel, refeições e roupas a esses que não tiveram nenhuma política de prevenção ou proteção ao temido vírus da COVID-19.

Os equipamentos de proteção individual doados na Cracolândia, foram de extrema importância, pois além de proteger com o Corona Vírus, viabilizou a convivência desses usuários em espaços sociais, que segundo relatos de um dependente químico da região, não estava conseguindo adentrar aos equipamentos da Prefeitura devido à falta da máscara.

HERÉDIA ALVES é a titular desta coluna, advogada Criminalista e do Terceiro Setor, especialista em Direito Público, diretora de Projetos do Instituto Anjos da Liberdade, presidente Estadual do Instituto Nacional de Combate a Violência Familiar, advogada da Associação de Moradores da Vila Mimosa e membro da Comissão de Direitos Humanos OAB/ RJ.

WILLIAM DE OLIVEIRA – Ativista, Mobilizador Social e Colunista do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Presidente do Coletivo MISSAO ROCINHA, graduando no Curso de Investigação Forense e Perícia Criminal.


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