Por Wander Lourenço –
O dramaturgo Nelson Rodrigues já dizia que o brasileiro é “Narciso às avessas”, o que, de fato, pode ser constatado a partir de uma analogia política, em diálogo com o título desta crônica, através a alusão histórica que será feita entre o libertário Joaquim José da Silva Xavier, o Alferes Tiradentes, e o ex-presidente da República Federativa do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, que fora indiciado pela Polícia Federal, por envolvimento na tentativa de golpe de Estado – ou revolução, como preferem os militares e os partidários da extrema-direita tupiniquim –, contra o estado democrático de direito, após a eleição de Luís Inácio Lula da Silva, em 30 de outubro de 2022.
A tal referência histórico-política ao inflamado Alferes Tiradentes também se justifica pela complexidade da hermenêutica jurídica aplicada aos conjurados da Inconfidência Mineira e aos mentores fardados (amados ou não) da Insurreição Candanga, capitaneada (virtualmente?) pelo ex-mandatário Bolsonaro e seus asseclas travestidos de patriotismo, que invadiram Brasília, mais precisamente o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e a sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em nítida rebelião contra a Dinastia Lulopetista. Na concepção dos vândalos alvorotados, decerto, houvera de ser inadmissível a retomada do poder da Corte brasiliense, sob a égide do Conselheiro José Dirceu, o Marquês de Passa Quatro; e da Condessa Gleisi Hoffmann, consolidando-se a supremacia comunista após quatro anos de nacionalismo exacerbado, à luz do fascismo mais legítimo e abominável.
Nesta conjuntura contemporânea, a conspiração bolsonarista fora deflagrada em parte pela cúpula dos arregimentados oficiais das Forças Armadas do Brasil – Marinha, Exército e Aeronáutica –; pelos agentes federais responsáveis pelo setor de inteligência da nação (ABIN) e por alguns líderes políticos do PL, DEM e afins que, com o resultado das urnas eletrônicas escandalosamente fraudadas, não aceitavam, em hipótese alguma, a propagada vitória do candidato do Partido dos Trabalhadores, visto que já bastava a estúpida roubalheira de votos do pleito passado, o que obrigou o líder esfaqueado a disputar o segundo turno com o Sheik Haddad. Diante da insatisfação generalizada – perdão pelo parentesco etimológico do vocábulo –, com o renascimento da Dinastia PeTrália e com o inestancável retorno do Quinto da Petrobras e da Derrama do MDB –, os insurgentes da Insurreição Candanga convocaram uma reunião de emergência para discussão da sagrada Minuta, benzida pelo sacerdote José Eduardo de Oliveira e Silva (Seria o pe. Oliveira Rolim coevo?) que, de fato, incidiria na execução do Ato Inconstitucional Punhal Verde e Amarelo.
Com a deposição e envenenamento via cicuta pós-socrática injetada no calcanhar (de Aquiles?) do Imperador Luís Inácio Lula da Silva e do vice-rei Geraldo Alckmin, os patriotas insurrectos adeptos do slogan “Deus, Pátria e Família” (a Bolsonaro, sobretudo), providenciariam a captura imediata do ministro Alexandre de Moraes, a fim de que se malhasse o “judas” até que a sua cabeça fosse arrancada e exposta em plena Praça dos Três Poderes. Nesta ocasião, o embuçado Mauro Cid – que se tornaria um fidedigno protótipo de Joaquim Silvério dos Reis hodierno que, na ausência de um magistrado do porte do Dr. Tomás Antônio Gonzaga, comprometeu gravemente o General Braga Netto –, fora orientado a imprimir o documento pelo general da reserva Mario Fernandes, para que logo se pusesse em prática o plano de ação, para posse da cúpula que assumiria o leme do país quando Lula fosse destronado. Diz que o documento realçava em letras garrafais a necessidade de criação do gabinete de gestão da crise, comandado pelos ex-ministros militares Walter Braga Netto e Augusto Heleno.
Cabe enfatizar que, assim como o fizera o coronel-fazendeiro Silvério dos Reis, quiçá detentor do título da primeira delação premiada da História pátria, que não citou nominalmente o ideólogo da Conjuração Mineira, o advogado e sonetista Cláudio Manuel da Costa, nem o propagador do ideário da Revolta das Minas Gerais contra a Coroa lusitana, Joaquim José da Silva Xavier, também o tenente-coronel Mauro Cid não mencionou o nome do Tiradentes às avessas, de modo a não comprometê-lo como liderança da agro-inconfidência do Centro-Oeste brasileiro; leia-se Goiás e adjacências. Não obstante, com a prisão decretada do embuçado Mauro Cid, os conjurados bolsominions indiciados pelo crime de lesa-majestade e traição-pátria deliberaram que, da mesma maneira que consta nos Autos da Devassa da Conjuração Mineira, diriam aos agentes federais e aos ministros do STF, que a menção ao golpe de Estado não passou de “conversa de salão”, expressão substituída por “botequim ou caserna”, com o intuito de esvaziamento da culpabilidade por organização criminosa à moda CV e PCC.
Segundo o Marquês Dirceu de Passa Quatro – por obséquio, não confundir com o seu homônimo árcade Dirceu de Marília –, todo o processo foi conduzido por aliados do bolsonarismo para “pressionar e chantagear” a cúpula militar a embarcar na canoa furada do projeto do golpe de Estado, destacando o fato inédito de que o indiciamento seria o primeiro na História deste país de militares de alta patente. Porém, ao contrário de Thomas Jefferson, autor da frase antológica “Uma nação não tem amigos, mas interesses”, os Estados Unidos da América apoiariam os alvorotados mineiros após da independência mediante algumas condições, entre elas a importação de bacalhau e trigo norte-americanos, o presidente da República Joe Biden e o Departamento de Estado norte-americano deixaram bem claro que, em caso de rebelião verde, amarela, branca e azul anil, garantiriam, com o perdão da rima ideológica, o Estado de Direito do Brasil.
–– Putz, se o Donald Trump tivesse ganhado as eleições em 03 de novembro de 2020; ou, ao menos, os revoltosos estadunidenses tivessem tomado de assalto a Casa Branca… –– lamentou-se o oficial de ordens, Eduardo Bolsonaro.
–– Libertas Quae Sera Tamen. –– bradou o patriarca da família.
Entretanto, já era tarde demais para se evocar o heróico Tiradentes, porque o Japonês da Federal – que, para maior efeito midiático, fora ressuscitado pelo ministro Gilmar Mendes para cumprimento oficial da missão gloriosa do aprisionamento do incauto Jair Bolsonaro –, já berrava à porta do Condomínio Vivendas da Barra:
–– Ô de casa!… Ô de casa!… Ô de casa!…
WANDER LOURENÇO é professor, cineasta, poeta, letrista e escritor. PhD em Literatura Comparada pela Universidade Clássica de Lisboa; pela PUC-GO; e pela UFMG. Doutor, mestre e especialista em Literatura Brasileira pela Universidade Federal Fluminense. Produtor e diretor do documentários “Carlos Nejar, o Dom Quixote dos Pampas (2015); “Nélida Piñon, a Dama de Pétalas” (2017); e o “Cravo e a lapela: biografia de Ricardo Cravo Albin” (2021). Livros recentes: Escrevinhaturas – Poesia / Editora Elefante-SP (2022); e A República do Cruzeiro do Sul – Romance histórico / Editora Almedina (2023).
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