Por José Carlos de Assis –
Alguns esbirros do governo, provavelmente do Ministério da Economia, falaram no lançamento de um Plano Marshall para enfrentar a reconstrução econômica depois do fim da pandemia do coronavírus. A sugestão foi repelida pelo plenipotenciário do momento, general Braga, que teria conquistado a função de Paulo Guedes. Mas há muito que gente do governo fala em Plano Marshall. E há elementos dele, em termos absolutamente fantasiosos, na apresentação de questões econômicas pelo general Braga. Daí que a sabedoria nessa área parece manifestar-se agora nas quatro estrelas de um general improvisado em economista.
Não sei qual é especificamente a fantasia do general. Mas suspeito de que ele é totalmente ignorante em economia. Se não fosse, não copiaria o projeto macroeconômico neoliberal, que sinalizou manter mesmo com Guedes fora do poder real. Com isso, será totalmente inviável qualquer plano econômico como um instrumento de reconstrução nacional. Um Plano Marshall, então, seria impensável. O verdadeiro, que vale a pena visitar, foi financiado pelos Estados Unidos. No nosso caso, diferenças cruciais começariam aí.
De fato, os Estados Unidos despejaram 13 bilhões de dólares de empréstimos na Europa (valores da época), não dinheiro a fundo perdido, mas empréstimos a juros baixos. No nosso caso, para começo de conversa, quem seria o financiador de bilhões de reais? Não só isso. Tinha havido poupança durante a guerra, de sorte que o problema das economias europeias era do lado da oferta. Além disso, realizou-se um grande esforço exportador, que aumentou o potencial de demanda, de investimento e de expansão monetária interna.
Esse conjunto de fatores favoreceu a retomada economia europeia, especialmente Alemanha e França, na qual o Plano Marshall foi um fator importante, mas não exclusivo.
Se o general Braga quer fazer reconstrução no país depois da pandemia é bom buscar outros parâmetros. Para um keynesiano, como eu, não poderia ser outra coisa senão um New Deal brasileiro, que poderia ser copiado da experiência vitoriosa de Roosevelt nos anos 30, nos Estados Unidos. Nesse caso, o esforço foi fundamentalmente interno. E, para ódio dos ortodoxos, baseado em emissão de moeda e de títulos para animar a demanda.
Vi pseudo-economistas dizendo que o plano do general Braga deveria concentrar investimentos exclusivamente na área de saúde. É uma estupidez absoluta, uma ignorância sem paralelo na economia teórica e prática. O correto é justamente o oposto. Distribuir investimentos em todas as áreas para estimular a demanda e o investimento. No New Deal, além das grandes obras públicas a fundo perdido – como deve ser -, o governo chegou a financiar músicos de jazz – algo que, se quisermos fazer um plano decente, teremos que experimentar também aqui para ajudar as artes.
Entretanto, o general Braga é aquele tipo de mordomo que faz prosa sem o saber. Tendo dado uma rasteira no Paulo Guedes no jogo burocrático, de que gostei muito, equivocadamente parece comprometido a manter com extremo rigor a política neoliberal do ministro da Economia, que nessa altura nem sabe o que fazer. Num certo sentido, não fosse a tragédia para o povo frente à política neoliberal, iria me divertir a beça com toda essa balbúrdia. Ninguém sabe o que fazer, ninguém sabe para onde ir. É o caos absoluto, a tempestade perfeita!
Não quero insultar o general Braga sem conhecê-lo pessoalmente. Mas me estranha um general comandando a economia. Submeteria o general a um pequeno teste, para ver até onde ele vai na nossa lúgubre ciência, como dizia Joan Robinson. Por exemplo: sabe o general o que é multiplicador keynesiano? Efeito acelerador? Lei Glass Steagal que disciplinou por décadas o sistema bancário nos EUA, até a desordem atual? Demanda efetiva? Interação entre poupança e investimento? Lei do Pleno Emprego? E sobretudo Finanças Funcionais de Aba Lerner, ou Teoria Monetária Moderna, adotada pelos políticos progressistas dos EUA?
É verdade que Guedes também era ignorante nessas questões, mas ele fracassou, como era de se esperar. O senhor, bem assessorado por keynesianos, pode salvar seu mandato de ministro e toda a Nação, que poderia, por sua ação, ser efetivamente liberada das consequências econômicas da pandemia. Se não quiser saber de nada disso, general, volte ao pijama e entregue o cargo a quem possa efetivamente cuidar da economia nos termos keynesianos que ela exige no momento, sem ilusões, e com reais possibilidades de recuperação econômica a partir da receita clássica certa, acima indicada.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.
MAZOLA
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