Por José Carlos de Assis

Não gosto de escrever em blogs sobre assuntos internacionais. Minha praia é a economia política brasileira. Há nesta última suficiente número de temas para que eu e meus leitores nos debrucemos neles sem medo de monotonia. Entretanto, quando a televisão, e especificamente a Globo, traz para dentro de nossa casa assuntos como o da tentativa de roubo pela Rússia de procedimentos para a criação de uma vacina contra a covid-19 é quase obrigatório denunciar esse mega-fake news de escala mundial.

A procedência da notícia são os serviços de informação dos Estados Unidos, do Canadá e da Inglaterra. Ou seja, do mesmo lugar, pois esses serviços estão sabidamente coordenados pelos Estados Unidos. O objetivo é um só, ou seja, atacar moralmente a Rússia sem qualquer fundamento, já que, fora as palavras vazias do jornalista narrador, na versão da Globo, nada se apresenta como prova. Na verdade, não é preciso ser analista internacional para desconfiar que tudo não passa de uma gigantesca montagem para prejudicar os russos.

O pior não é isso. A hipocrisia dos serviços norte-americanos é infinita quando pretendem dar  uma espécie de lição de moral nos “espiões” russos tendo em vista o caráter sagrado do objeto de violação pelos supostos hackers. Mas que moral tem os serviços de informação dos Estados Unidos quando se trata de violação de segredos de outros países? Não foram eles que, descaradamente, espionaram Dilma Roussef? Não foram eles que ajudaram a destruir o sistema nacional de petróleo em favor de empresas estrangeiras?

Hipócritas, hipócritas, hipócritas. E é notável que tenham a seu serviço jornalistas da
Globo baseados em Nova Iorque para fazer propaganda norte-americana hostil ao Brasil.
Vejam este Luís Fernando Silva Pinto: a forma como narrou o “fake news” da vacina é
repelente. É como se fosse verdade absoluta. Enfim, depois de encher a cabeça do povo de
histórias mirabolantes, encerra a narrativa, com ajuda da sede, dando três segundos para o
desmentido da Rússia, na forma de um sumário “a Rússia desmentiu”.

A Globo sempre foi assim, americanófila. Na época da Guerra Fria não era de surpreender, porque, realisticamente, não tínhamos alternativa a não ser nos alinharmos aos Estados Unidos. O extraordinário, agora, é que o alinhamento com os norte-americanos se tenha tornado automático mesmo quando não há luta ideológica em jogo. A Globo e, além
dela, o sistema de mídia brasileira estão alinhados com os Estados Unidos exclusivamente por vassalagem ao poder norte-americano, sem qualquer proveito para o Brasil.

Na verdade, tudo isso se agravou com a crise financeira da Globo. Há todos os indícios
de que receba dinheiro para dar curso favorável a noticiário norte-americano com base no que
eles chamam de “fontes” ocidentais, representadas sobretudo pelo aparato escravo dos Estados Unidos, sem identidade política própria, Canadá e Inglaterra. A vassalagem se exprime em todos os níveis, mas chega a limites extremos quando se trata de manipulação de temas de guerra. Aí o céu é o limite. Como aconteceu e ainda acontece, notoriamente, com a Líbia.

Como os “bem informados” sabem, a Líbia foi destruída como país pela OTAN, ou seja,
por países europeus a serviço dos Estados Unidos, liberando uma torrente contínua de
refugiados para a Europa. O objetivo era matar Kadafi, um amigo dos russos. A Globo “narra”
as consequências da tragédia, e não suas causas. É como se a guerra que matou Kadafi não
tivesse causa, apenas as consequências observadas hoje na Europa sob a forma de centenas de milhares de refugiados. Prestem atenção na forma como a Globo narra essa tragédia!

Quanto à “fake news’’ da vacina, o patético é que o repórter não apresenta um indício
viável, ou uma única prova mesmo que indireta de que houve efetivamente a ação de um
hacker. Tudo é atribuído a fontes, que por sua vez se escondem por trás de outras fontes no
labirinto do mundo da espionagem. Nesse caso, uma vez tendo acabado a Guerra Fria, o que
restou foram os interesses norte-americanos de dominar o mundo numa busca desenfreada
de conquistar um espaço de hegemonia disputado pela China e de poder militar, pela Rússia.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.