Por Luiz Carlos Prestes Filho

O compositor Lucas Bueno, 32 anos, autor dos álbuns “Tinto” (2016) e Lágrimas (2019), afirma que o artista e o homem se fundiram durante a pandemia: “Tem hora que não sei mais quem é quem. O artista produziu mais de noventa canções, durante a quarentena, no afã de amenizar a cabeça do ser humano. Baita fuga compulsória para mostrar a mim mesmo que estou sendo produtivo e também para ocultar a realidade caótica, na qual nos encontramos. Compus músicas que considero ótimas, outras detestáveis, mas essa produção desenfreada levou – me a uma epicondilite lateral, que acaba com a unidade e me faz entender a dicotomia, afinal, quem sente a dor sou eu. Tenho que pisar no freio”.

Muitos shows, gravações, oficinas de composição e outros projetos foram cancelados ou adiados. Situação que provocou a criatividade artística nunca antes vivida: “Terei de arrumar tempo para os projetos que meu coração de compositor descongelou. Haja fôlego para colocar tudo em prática”.

O compositor afirma que os artistas e os produtores culturais não tem culpa pela difícil situação que a área cultural atravessa: “Quem erra é o sistema mediocrizador da cultura, ceifador da memória nacional, fazendo com que desconheçamos nossos próprios alicerces. Desserviço bem arquitetado e ofertado pelos maiores detentores e monopolizadores dos meios de comunicação. Continuamos tendo uma efervescência cultural fora de série, sobretudo nesses tempos de cólera, mas no dia que eu ligar o rádio e ouvir uma Nina Wirtti, Luisa Lacerda, Iara Ferreira, Ilessi, Moyseis Marques, Thiago Amud, Miguel Rabello, Vidal Assis e tantos outros, aí sim terei a certeza que o Brasil deu muito certo”.

Lucas Bueno, parafraseando o mestre Monarco, brinca que se for falar dos contemporâneos, que produzem canções brasileiríssimas: “Não vai terminar”. Mas se apressa em seguida em dizer tem amigos que sequer conhecem as obras de Villa Lobos, de Pixinguinha, de Guimarães Rosa. Para ele, quem não reverencia os espelhos do passado não se enxerga no futuro.

Ele sonha sim com o fim da pandemia que: “Escancarou a saudade e o desejo que meu peito nutre de estar logo com minha Santíssima Trindade, palcos, bares e abraços. Quero tudo e todos de volta!”

Recluso em sua cidade natal, Cachoeiras de Macacu, lembra que perdeu dois conhecidos e tem pessoas próximas que contraíram o vírus. Concorda com as medidas de isolamento social.

Nesse período, sempre que se afastou da música, colaborou com a produção, distribuição e vendas dos produtos de confeitaria de sua esposa, Lyvia Lemos Pinto, também filha de Cachoeiras de Macacu: “Tenho vontade de ficar por aqui mesmo, junto das minhas raízes. Apoiar o amor da minha vida e abrir com ela um café musical. Assim, eu não me afastaria mais das cachoeiras da minha infância, do jequitibá rosa de 40 metros que temos aqui, um dos maiores do Brasil.”

Em seguida canta TROMBA D’ÁGUA (parceria com Luiz da Pedra) sobre a força de sua terra natal:

O barro leva o mato

A margem do rio sai do lugar

O medo entra em casa

Ninguém pra segurar

Água turva que torce

A árvore, a memória

Que lembra a calmaria

Quando tudo era outra história

Estraçalha, arrebenta, destrói

Segue seu rumo impiedoso

Não se importa com sentimentos

A distância parece glamoroso


LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Cineasta, formado na antiga União Soviética. Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009). É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).