Por José Carlos de Assis

Vivo perto de uma agência bancária, na Rua Corrêa Dutra, Catete. Tenho duas contas nela, uma de pessoa física e outra de pequena empresa. Como jornalista da classe média, não muito familiarizado com informática, me recuso a usar as funções mecanizadas do sistema, porém não só por conta de minhas limitações mas para proteger o emprego dos bancários. Assim, opero as funções do banco de uma forma cada vez mais simples. De qualquer modo, antes da pandemia, não sabia como são os serviços dos bancos abaixo da classe média.

É que esse assassino de pobres chamado Paulo Guedes, cumprindo a missão infame que lhe foi atribuída pelo patrão presidencial, resolveu estender a escravização que é imposta diariamente a negros, pardos, pobres em geral e pequenos empresários à fila dos benefícios que deveriam ser para todos, e de forma automática. O instrumento de tortura para conquistar os magros benefícios são os bancos. E os bancos capricham na solução do caso: reduzem seu pessoal para fazer economia e aumentar lucros, em plena crise do povo.

Pobre que tem conta no banco, e milhões deles foram “bancarizados” nos últimos tempos pelo expediente do endividamento garantido por salário e benefício previdenciário, tiveram a graça de ter seus benefícios da pandemia pagos automaticamente. Pode-se supor que é uma vantagem. Não é. Os bancos privados estão economizando custos operacionais nesse tempo de epidemia e suas agências estão tão entupidas quanto a dos bancos públicos, inclusive a Caixa Econômica, escolhida para atender aos “não bancarizados”.

É o maior massacre de negros, pardos, pobres e marginalizados que temos visto nos últimos anos e meses. Geralmente, eles ficam invisíveis, porque a cidade esconde os pobres mediante sua dispersão pelas favelas. Quando se concentram em razão da assistência à miséria, como é o caso, vê-se claramente a dimensão da tragédia humana, que eu próprio não costumo ver com meus olhos de morador em bairro da classe média. Entretanto, no campo mais amplo dos serviços bancários, eu também experimentei, hoje, uma aventura infame.

Tinha que ir à agência bancária do Santander, esquina com Catete, para fazer um saque. Um simples saque. Como não achei o cartão antes de sair de casa, resolvi levar um talão de cheque e a carteira de identidade. Enfrentei inicialmente uma fila enorme. Não havia atendente à vista. Quando chegou, pude perguntar se aquela fila possibilitava o atendimento de caixa. Não, disse ela. Todas as funções de caixa do banco estavam suspensas. Ou seja, nada de caixa, nada de atendimento personalizado. Havia uma pane.

Não escondi a minha irritação. Mas a gentil senhorita me encaminhou para o Largo do Machado, onde há outra agência do Santander, com uma educação totalmente desproporcional à minha raiva. Entrei na fila. Não demorou muito e outra gentil atendente veio avisar que também a agência do Largo do Machado estava em pane. Quiseram me encaminhar para Laranjeiras. Não, pensei eu, essa é demais. Vão acabar me mandando para o Leblon e não conseguirei fazer o meu saque. Nessa altura, minha mulher havia encontrado meu cartão. Voltei para casa espumando de raiva e animado a escrever este artigo.

Entretanto, experiências de outras pessoas exibiram o que é, num dia, o massacre bancário no Brasil. Digo o massacre público, porque o massacre por trás das salas e corredores dos bancos ninguém vê mesmo, só os especialistas. De fato, basta uma pergunta para esclarecer todo o processo bancário: Por que os bancos ganham tanto dinheiro, com lucros gigantescos e crescentes, se o resto da economia vai mal? Como explicar esse fenômeno senão pela exploração concentrada do trabalho humano nos guichês de bancos, protegidos por essa figura de presidente do BC “independente”, Roberto Campos Neto, porteiro do sistema?

Somos, todos nós, escravos do sistema bancário. Até mesmo os capitalistas produtivos são escravos dele, embora geralmente não saibam. Mediante o controle político e social da população, os bancos compram tudo o que está à venda, deputados e senadores, mídia e jornais, ideólogos e formadores de opinião. Com isso, só a partir de uma revolução pacífica de negros, pardos e marginalizados, do tipo das caravanas de Luther King, poderá libertá-los da escravidão. E, libertando a si mesmos, nos libertarão também, aos da classe média.

Um dia pode acontecer porque contraria a lógica dos tempos, quando se fala tanto em democracia e luta contra o fascismo, sempre um aliado dos bancos, que o sistema bancário domine o mundo indefinidamente. Sabe-se, porém, que a luta será longa e amarga. A mulher, metade da população, terá participação decisiva nela. Entretanto, a mulher terá que transcender sua realidade pessoal. É evidente que teve uma vitória com a Lei Maria da Penha. Mas não pode ficar nisso. Depois da Maria da Penha ela deve buscar uma Maria da Glória, ajudando a sociedade a libertar-se de toda a opressão, sobretudo a opressão dos brancos.


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964. Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro. Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica.