Por Osvaldo González Iglesias –
Vivemos numa época crucial, uma época em que conceitos e ideias, que durante anos pareciam imóveis, estão a sofrer profundas transformações nos seus significados, ou mesmo em alguns casos, está a ocorrer uma recuperação da sua essência original. Isto se deve às mudanças vertiginosas que vivemos no atual contexto social e político. Neste sentido, os direitos de quarta geração, aqueles que procuram a igualdade e a justiça em áreas mais complexas como os direitos reprodutivos, a identidade e a inclusão de género, tentam ser recuperados depois de uma era recente em que, ao reconhecerem o seu verdadeiro alcance, foram distorcidos, distorcidos e, em muitos casos, utilizados para fins pessoais, ideológicos e partidários.
Neste cenário, o tempo e a política foram atores cruciais. Os direitos que inicialmente surgiram como fundamentais, necessários e legítimos foram esvaziados do seu conteúdo original e reduzidos a meros slogans, utilizados para manipulação política. Este fenómeno gerou um sentimento de tédio nas pessoas, que começaram a perceber que o que inicialmente era considerado justo e necessário tornou-se um discurso vazio e repetido, levado ao extremo de perder toda a coerência e profundidade.
Esse esvaziamento não foi apenas conceitual, mas também social. Surgiu uma ação implacável de cancelamento, uma espécie de inquisição que puniu milhares de pessoas de diversas esferas sociais e culturais pelo simples fato de terem pensado diferentemente das correntes predominantes. Intelectuais, jornalistas, escritores e professores universitários foram alvos desta perseguição por terem expressado ideias divergentes. Até a história, aquela história que nos liga ao passado e nos permite compreender o presente, foi submetida a um julgamento de valor implacável, guiado por gesticulações de ódio e desprezo. O discurso da correção social, longe de ser moderado e reflexivo, foi regulado por quem carecia de profundo sentido histórico e racional, distorcendo a verdadeira essência dos fatos.
Hoje, apesar deste panorama, continuamos a viver numa era de transição, onde as mudanças são inevitáveis, embora enfrentemos o medo do desconhecido. Um exemplo claro desta transformação é o triunfo de Donald Trump nos Estados Unidos, fenómeno que reflecte o cansaço de uma parte importante da sociedade.
Neste contexto, grupos historicamente marginalizados, como mulheres, imigrantes e pessoas de cor, decidiram apoiar a sua candidatura como forma de expressar o seu cansaço com as políticas democráticas e o rumo que tomaram nos últimos anos. As manifestações em defesa do terrorismo e de repúdio ao Estado de Israel em diversas universidades, ou a expansão descontrolada do discurso radical, reflectem um mal-estar geral face a um sistema que parecia ter perdido o rumo.
A reviravolta de muitas das pessoas que inicialmente se opuseram a Trump, mas que hoje o apoiam, não deve ser vista apenas como uma postura política, mas como uma reacção ao esgotamento das narrativas predominantes que, durante anos, desviaram a atenção daquilo que é realmente importante. . Em última análise, o problema não é apenas político, mas também económico. Nos Estados Unidos, a inflação e a crise do mercado imobiliário, onde as famílias pagam hipotecas com taxas de juro que já não são tão baixas como antes, são factores que atingem duramente uma economia que, durante anos, foi considerada estável.
Este sentimento de desconfiança e frustração não é exclusivo dos Estados Unidos. Na Argentina vivemos um processo semelhante, onde, depois de anos de políticas que não deram resultados, o voto a favor de candidatos “irruptivos” e “não convencionais” como Javier Milei é uma clara manifestação desse mesmo cansaço. As pessoas já não sabem se o futuro será melhor ou pior, mas o que está claro é que o status quo já não é tolerável. Encontramo-nos numa encruzilhada: atiramo-nos nos braços daqueles que parecem dispostos a colocar tudo em risco, a desafiar as normas e a questionar até o sistema que os levou ao poder.
O cenário atual nos convida a refletir sobre o futuro. Será possível que esta mudança de rumo seja positiva? Talvez seja hora de correr os riscos de uma transformação profunda. Apesar das dúvidas e dos receios gerados pelas mudanças, é evidente que o esgotamento das estruturas do passado nos impulsionou a procurar novas formas de nos relacionarmos com o poder, a política e a sociedade. Talvez, neste contexto, o que hoje parece perigoso e desconcertante seja, em última análise, a passagem para uma nova era.
A única coisa certa é que, tal como estávamos, não poderíamos mais continuar. O tempo da conformidade chegou ao fim e o futuro, embora incerto, é um desafio que estamos dispostos a enfrentar.
OSVALDO GONZÁLEZ IGLESIAS – Escritor e Dramaturgo. Director do jornal eletrônico Debate y Convergencia, correspondente do jornal Tribuna da Imprensa Livre na Argentina.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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