Por José Carlos de Assis –
As fábulas de Fedro, traduzidas do original grego de Esopo, sempre terminavam com a expressão latina: “De te fabula narratur!”
Algo como “a fábula fala de ti”. Isso se aplicava às narrativas em que animais desempenhavam papéis humanos em situações das quais se podia tirar uma conclusão moral. O que acontece na Argentina, hoje, e o que aconteceu no mesmo país, no início dos anos 2000, é uma advertência do que poderá acontecer ao Brasil: a tragédia da “fábula” argentina pode aplicar-se a nós.
Os elementos básicos das duas situações são os mesmos, separados apenas por períodos de tempo. Ambos, Argentina e Brasil, estão sofrendo as consequências de ter retardado demais o processo de ruptura com o neoliberalismo. Com isso, enfrentam os efeitos da degradação social e política de nossas economias. A Argentina saiu na frente, e só agora rompeu com as políticas do Fundo Monetário Internacional. Nós sequer o iniciamos, mas, ao contrário, o aprofundamos, com Temer e Bolsonaro.
Tanto a Argentina quanto o Brasil realizaram eleições em plena época de políticas neoliberais. No caso deles, no governo Menem. No nosso, nos governos Temer e Bolsonaro. Sob o neoliberalismo, lá, como aqui, acumularam-se os problemas sociais dos dois países: alto desemprego e do subemprego, ampliação da miséria, aumento do custo de vida e da inflação. Para o povo, a situação se tornou cada vez mais insuportável. Aí surgiu a perspectiva das eleições.
Eleições são sempre momentos em que as sociedades exprimem esperanças de mudança em suas perspectivas de vida. E é justamente aí que aparece um risco, sobretudo para as democracias: com uma situação social degradada, de um lado, e, de outro, com as expectativas de uma mudança de curto prazo com o resultado eleitoral, a situação social e política torna-se explosiva. Foi o que aconteceu na Argentina no ano 2002 e volta a acontecer agora. Expectativas demais para poucos resultados!
A tragédia argentina não precisa repetir-se no Brasil. Podemos escapar do “de te fabula narratur”!. Tudo vai depender de como Lula, certamente o futuro presidente, vai definir as linhas estratégicas de seu governo. Não seria prudente esperar muito tempo para enfrentar as crises emergenciais, sobretudo a do alto custo de vida e a do desemprego. A incompetência e a falta de vontade política de Bolsonaro para enfrentá-las criaram um clima de ansiedade propenso a explosões sociais.
Num livro que escrevi para rememorar quatro décadas de domínio da economia brasileira pelo FMI e o Consenso de Washington – “A Economia Brasileira Como Ela É”, a ser lançado brevemente pela Amazon -, chamei a tragédia argentina do início dos anos 2000 de “síndrome de De La Rúa”. De La Rúa foi o presidente que sucedeu o neoliberal radical Carlos Menem, criando grandes expectativas positivas na opinião pública. Seu fracasso, renunciando ao mandato pela metade, foi o fracasso do país.
A eleição de Lula, se não vier a ser acompanhada, depois da posse, de uma política imediata de regeneração da economia em confronto direto com o neoliberalismo, a fim de enfrentar os graves problemas sociais brasileiros, pode nos levar ao mesmo beco sem saída que custou à Argentina quatro décadas de crises econômicas e sociais sucessivas.
O que estamos vendo hoje no país vizinho é o legado neoliberal em sua forma mais crua. Ele não seja, para nós, uma fábula a ser imitada ou copiada!
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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