Por Carlos Mariano –
Dramas e alegrias na história da Grande Rio.
O inédito campeonato conquistado pela escola de samba de Duque de Caxias, Acadêmico da Grande Rio, no histórico Carnaval fora de época de 2022, nos faz voltar no tempo para falar um pouco da trajetória dessa caçulinha entre as agremiações fluminenses. A escola é a segunda da região da Baixada Fluminense a conquistar o título de campeã. E não é que quis o destino que a Beija Flor de Nilópolis, primeira escola de samba da Baixada Fluminense a ganhar em 1976 o caneco no carnaval carioca, fosse a sua vice campeã?! Quando se fala em Baixada Fluminense logo vem à lembrança uma história de violência praticada pelos chamados grupos de extermínio. Está aí, a importância da escola de samba nesse universo: mostrar, justamente, que existe vida, pessoas, poesia, arte e talento nessas comunidades para além da dura realidade de violência urbana.
Fato é que o Carnaval de Duque de Caxias no passado revelou grandes agremiações carnavalescas. Um exemplo foi a saudosa Cartolinhas de Caxias, que tem um dos sambas mais bonitos da história do carnaval carioca: “Benfeitores do Universo”, de autoria do compositor Hélio Cabral e que hoje está registrado na voz de Martinho da Vila.
Grande o passado, grandeza no presente. A Acadêmicos do Grande Rio, nascida em 1988, é hoje a campeã mais jovem da passarela do samba, com apenas 34 anos de existência. Sua trajetória, interessante e inusitada, começa no dia 22 de março de 1988, quando um grupo de sambistas de Duque de Caxias, dentre eles a rapaziada do bloco “Lambe Copo”, resolve – sob a liderança do sambista Milton Perácio (grande nome vivo da curta e já marcante história da escola) -, fundar uma nova escola de samba que representasse a Baixada Fluminense. Primeiramente, chamou-se Acadêmicos de Duque de Caxias mas, quando se filiou à Associação das Escolas de Samba para a disputa do carnaval, a novata teria que começar a desfilar no quinto grupo das escolas do acesso – ou seja, o último. Foi quando aí, surgiu um esperto e deu a ideia de a agremiação não começar sua vinculação aos desfiles lá na rabeira do grupo de acesso. Sugeriu que se pulassem etapas e já fosse desfilar no terceiro grupo de acesso, encurtando assim, o caminho para se chegar no principal grupo das escolas de samba. E como foi feita essa mágica? Existia no grupo de acesso três uma escola de samba de Duque de Caxias chamada GRES Grande Rio. A ideia mágica dada pelo então deputado e postulante a mecenas da nova agremiação, Messias Soares, foi fazer a fusão da debutante GRES Acadêmicos de Duque de Caxias com a experiente GRES Grande Rio, fundada no início da década de 1970. Foi assim que em 22 de setembro de 1988 nasceu a Acadêmicos do Grande Rio. E o melhor: já estreava no Carnaval de 1989 no grupo três da Associação, não precisando ralar nos grupos cinco e quatro do acesso.
Foi encurtando seu caminho na disputa, como muita malemolência, que a Grande Rio começa sua trajetória de vida no mundo do samba. Mas, isso não significou que a escola não passasse por dificuldades e dramas no seu dia a dia…
Com apoio financeiro dos Soares, Messias e Jayder, o dinheiro não foi problema para a recém-criada escola. Logo de cara no Carnaval de 1990, com o enredo “Por que sou carioca?”, a Grande Rio massageou o ego da cidade, trouxe um bom samba e uma plástica muito interessante e profissional para a avenida. Resultado: conquistou o vice campeonato do grupo 2 do acesso e, junto com a Unidos do Viradouro de Niterói, campeã daquele ano, subiria de forma meteórica pela primeira vez para desfilar entre as grandes do maior espetáculo da terra.
No Carnaval seguinte, o de 1991, foi rebaixada. E motivo não faltou, a começar pelo confuso enredo “Antes, durante e depois: o despertar do homem” que não foi salvo nem pela escola vir bem vestida e com alegorias robustas para quem vinha do acesso; também não tinha um bom samba – mesmo contando com a presença do grande e saudoso Dominguinhos do Estácio como seu cantor. A questão é que o enredo foi muito mal executado na pista e o resultado foi a última colocação entre as 16 escolas participantes. Essa queda foi a primeira e última da debutante Grande Rio.
No ano seguinte se refez.
Há exatos 30 anos, a escola caxiense conquistava seu primeiro caneco, o título de campeã do grupo 1 de acesso, depois da queda na sua primeira passagem pelo grupo especial. O enredo era “Águas claras para um rei negro” ou seja, tema afro-brasileiro, assim como aconteceu neste ano com o “Fala, Majeté! As Sete chaves de Exu!“. E, a exemplo do que ocorreu neste ano, a escola tinha um sambaço e também levantou a taça.
Em 1993, de volta ao grupo especial, a tricolor da Baixada fez um dos sambas mais emblemáticos e cantados até hoje em sua quadra: “No mundo da lua”. Com ele, a Grande Rio ficou em nono lugar e se firmou entre as grandes escolas do Rio de Janeiro.
Em 1996, levou para a Avenida Marquês de Sapucaí o samba-enredo “Na era dos Felipes, o Brasil era espanhol” e conseguiu apenas um discreto décimo primeiro lugar, mas o refrão principal do samba, virou uma espécie de hino da escola.
“Imponho sou Grande Rio, amor
Dando um banho de cultura, eu vou
Pro abraço da galera, me leva
Lindo como o pôr-do sol eu sou”
O novo milênio chega e com ele a escola de Caxias investe ainda mais em bons profissionais do Carnaval para se firmar como uma escola grande que vai atrair tanto celebridades do mundo artístico para os seus desfiles como também dinheiro de patrocinadores para fazer enredos fortes em busca da consagração no grupo especial.
Em 2001, a Grande Rio voava baixo e investia em enredos culturais e contratava para carnavalesco com nada mais nada menos que o gênio Joãosinho Trinta. João trouxe um astronauta para pousar na Sapucaí em “Gentileza, o profeta saído do fogo”, mas a escola teve sérios problemas de evolução durante o desfile. Apesar disso, voltou no desfile das campeãs em sexto lugar. Em 2003, a escola recebeu muito investimento da Vale do Rio Doce para desenvolver o enredo patrocinado – “O Brasil que Vale”. Joãosinho trouxe fantasias luxuosas e esplendorosos carros alegóricos mas, mais uma vez, pecou em evolução. Contudo, voltou em terceiro lugar no sábado das campeãs.
Em 2007, já sem o gênio, a Grande Rio fez um desfilaço contando a história de Duque de Caxias e de sua gente. O carnavalesco Szaniecki escreveu o interessante “Caxias, dos caminhos de passagem ao caminho do progresso, um retrato do Brasil” e trouxe a escola contando e cantando, com orgulho, sua história e seus personagens: Zeca Pagodinho, Perácio (sambista e um dos fundadores da escola), Tenório Cavalcanti – o Homem da Capa Preta, e Joãozinho da Gomeia. Assim, a Grande Rio foi vice da sua coirmã da Baixada, a Beija Flor.
Depois da glória, mais um drama: em 2011, a um mês do desfile, a escola perdeu metade das suas fantasia e alegorias num mega incêndio no seu barracão, na Cidade do Samba. O enredo “Yjurerê Mirim – a encantadora ilha das bruxas”, desenvolvido pelo carnavalesco Cahê Rodrigues, não foi julgado. Apesar disso, a escola se superou e fez um desfilaço.
Em 2020, no último carnaval antes da pandemia de Covid-19, chegaram para fazer artisticamente o Carnaval da Grande Rio, uma jovem, talentosa e promissora dupla de carnavalescos: Gabriel Haddad e Leonardo Bora. Como referência, eles tinham assinado o tema era afro-brasileiro “Igbá Cubango – a alma das coisas e arte dos milagres” da Acadêmicos do Cubango, de Niterói, no grupo de acesso, o que rendeu à Verde e Branco de Niterói um vice campeonato no acesso A.
O bom trabalho da dupla despertou o interesse da Grande Rio. Assim, em 2020, eles comandaram a escola, com o enredo “Tata Londirá: O canto do caboclo no quilombo de Caxias”, que fez um desfilaço destacando a identidade da escola de samba, os valores da sua gente, em especial a negritude da Baixada. O trabalho rendeu à Grande Rio um vice campeonato, perdendo para a Unidos do Viradouro.
Cada vez mais potente, a dupla trouxe para a avenida em 2022 depois de dois anos sem desfile, o enredaço sobre Exu, que abriu, com toda a justiça, os caminhos para a escola ganhar o seu inédito título de campeã e se igualar à coirmã Beija flor como mais uma escola da Baixada Fluminense a conquistar a consagração e o coração do Carnaval Carioca.
Salve a Grande Rio! A mais jovem campeã da história do carnaval do Rio – da Baixada para o mundo.
Leia também:
Grande Rio é o grande destaque da segunda noite de desfile
Quem briga pelo título na primeira noite de desfile do Grupo Especial
A volta do grande espetáculo da Terra
CARLOS MARIANO – Professor de História da Rede Pública Estadual, formado pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), pesquisador de Carnaval, comentarista do Blog Na Cadência da Bateria e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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