Por Jeferson Miola –

A denúncia de fraude das urnas eletrônicas foi a agenda principal, senão a única, do general-ministro da Defesa no último período.

O general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, decerto sem atribuições mais sérias de trabalho, não economizou ofícios inoportunos ao TSE e ameaças de rechaço ao resultado eleitoral caso as Forças Armadas não pudessem testar a integridade das urnas.

Bolsonaro repetia como mantra a ameaça de avacalhar a eleição e promover arruaça no país com seu bando armado – e com o fardado também – se as eleições não fossem “limpas”.

Pois bem, o presidente do TSE Alexandre de Moraes concedeu-lhes a “deferência” de realizarem a tal apuração paralela.

Ocorre, porém, que pelo menos até o presente momento, quase uma semana depois do primeiro turno de votação, as Forças Armadas ainda não apresentaram as conclusões sobre as graves denúncias que suas cúpulas partidarizadas faziam acerca da vulnerabilidade das urnas.

O assunto também desapareceu da “narrativa” bolsonarista. Só agentes desavisados da matilha ocasionalmente ainda mencionam a versão farsesca nas redes sociais.

Bolsonaro e os militares nunca fundamentaram as suspeitas com comprovações documentais ou evidências concretas. Apenas denunciaram, sem absolutamente nenhuma prova.

O paradoxal, no entanto, é que este sistema contestado pelos bolsonaristas é o mesmo sistema pelo qual Bolsonaro se elegeu por sucessivos mandatos parlamentares, assim como para a presidência do país. E é o mesmo pelo qual figuras bisonhas da escória fascista foram eleitas em 2018 e reeleitas em 2022. E também é o mesmo sistema que nesta eleição conferiu a Bolsonaro uma votação nas urnas muito superior às previsões da própria coordenação da campanha bolsonarista.

Na verdade, Bolsonaro e as cúpulas militares nunca consideraram a fraude das urnas como um problema real, verossímil. Sempre difundiram esta mentira para servir de falsa bandeira política do bolsonarismo [false flag] diante da perspectiva de derrota para Lula na eleição.

O plano arruaceiro de Bolsonaro e dos militares nunca foi o de zelar pela lisura do processo eleitoral e, portanto, pelo respeito absoluto à soberania popular, pois sempre priorizaram estratégias para desestabilizar o país, causar caos social e promover ruptura institucional.

Como o resultado de 2 de outubro foi melhor para Bolsonaro que o esperável por ele e sua campanha – devido ao dinamismo eleitoral das últimas 72 horas e, sobretudo, da eficácia do terrorismo da maquinaria fascista – a bandeira falsa de fraude das urnas perdeu utilidade.

Afinal, seria um tremendo disparate Bolsonaro denunciar que houve fraude nas urnas depois de obter uma votação surpreendentemente superior à estimada. Neste caso, aliás, a denúncia seria de eventual fraude para prejudicar Lula, que tinha enorme expectativa de vencer a eleição já no primeiro turno, mas não foi este o resultado apurado.

Por isso, como num passe de mágica, e como se nunca tivessem contestado a segurança das urnas com objetivo de distrair a sociedade em relação ao desastre do governo militar, os bolsonaristas simplesmente abandonaram a bandeira falsa de fraude das urnas e passaram a usar a bandeira falsa de manipulação das pesquisas.

Então rapidamente orquestraram ataques em várias frentes.

Na mídia, comunicadores e políticos bolsonaristas divulgam sofismas e argumentos anticientíficos sobre pesquisas. O ministro bolsonarista da Justiça abriu processo para perseguir os institutos e as empresas contratantes. E no Congresso, líderes bolsonaristas intimidam os institutos de pesquisa com a ameaça de instalação de uma CPI.

As pesquisas podem tanto falhar como serem manipuladas, o que não parece ser aplicável às pesquisas presidenciais desta eleição, cujo resultado foi parecido com as estimativas, ou seja, com a tendência de Lula obter entre 48% e 51% dos votos e todas demais candidaturas, somadas, com idêntico patamar. E foi o que as urnas mostraram, com a diferença que Bolsonaro cresceu às custas de outras candidaturas não-lulistas, que perderam votos.

Pesquisas não podem ser vistas como prognósticos ou previsão exata de resultados, pois no máximo retratam tendências de determinados fenômenos em momentos específicos, estritamente enquanto a coleta de campo é realizada. Terminado o campo, fatos e eventos subsequentes podem alterar o cenário encontrado imediatamente antes.

Mais uma vez Bolsonaro e as cúpulas militares inventam uma mentira para servir de bandeira política para o cenário pós-derrota em 30 de outubro. Como a denúncia falsa de fraude nas urnas se tornou inútil, passaram a atacar as pesquisas para a continuidade do plano arruaceiro de incendiar e infernizar o país.

Eles sabem que Bolsonaro realizou no primeiro turno perto do teto de desempenho que terá no segundo turno, e por isso já preparam, desde logo, a guerra da extrema-direita e dos fascistas contra o governo Lula e a democracia. O ataque às pesquisas é o mote deles para o momento.

Aguardemos, pois em seguida inventarão outros.

***

Eduardo Leite e o antipetismo entranhado

Eduardo Leite/PSDB decidiu ficar em cima do muro na disputa entre Lula e Bolsonaro. Ele optou pelo que chama de “neutralidade”, se é que seja uma posição ética e politicamente admissível diante da encruzilhada do país, em que a democracia esperneia para não ser esmagada pelo fascismo e a vida humana teima em sobreviver à barbárie.

Ao anunciar a “neutralidade”, Leite se explicou com um descalibrado critério de geografia política: “Vou continuar no lado onde sempre estive, no centro” [sic], sustentou.

Mas, na eleição de 2018, o tucano apoiou Jair Bolsonaro – localizado à extrema-direita do que ele considera o “centro” político em que “sempre esteve”. Na ocasião, Leite justificou: “tenho certeza que faz mais mal ao país uma eleição do Partido dos Trabalhadores” [10/10/2018].

Eduardo Leite é um político jovem, mas com muita malandragem, ambição, domínio de marketing e, acima de tudo, cálculo político.

A decisão de assumir publicamente sua orientação sexual é uma evidência significativa desses seus atributos. Embora esta seja uma questão privada, de foro íntimo, que, por isso, não deveria ser escrutinada no debate público, Leite agiu calculadamente, para capitalizar politicamente sua imagem.

O “evento” teve ares cinematográficos, transmitido ao vivo no programa do Bial na TV Globo e sincronizado com a corrida eleitoral.

A “neutralidade” de Eduardo Leite fica ainda mais contestada devido à disposição do PT em apoiá-lo para derrotar Bolsonaro e o candidato fasci-bolsonarista ao governo estadual.

Mas, como sabemos e já referimos, o candidato tucano é um rapaz que muito calcula. O retrospecto recente da trajetória dele evidencia, contudo, que o cálculo político nem sempre é sinônimo de acerto estratégico. Pelo menos é o que se observou com a renúncia dele ao governo do RS para se dedicar à desastrosa incursão nacional na disputa tucana pela candidatura presidencial.

Desta vez, Eduardo Leite calculou que se apoiasse Lula, poderia perder cerca de 4,5% dos votos reacionários e conservadores obtidos por Bolsonaro e que também votaram nele no primeiro turno – 146.026 votos dos 3,245 milhões do Bolsonaro no RS.

E, também de acordo com sua própria matemática, Leite estimou ter recebido 13,48% dos votos dados a Lula, o que corresponde a 378.339 votos dos 2,806 milhões de votos do Lula no RS no primeiro turno.

Um cálculo simples mostra, portanto, que se Leite tivesse se aliado ao PT para derrotar Bolsonaro e seu candidato ao governo do Estado, poderia se beneficiar da maior parcela dos 1,7 milhões de votos dados ao candidato petista Edegar Pretto, além de preservar o contingente de eleitores do Lula que poderiam repetir o voto nele no segundo turno.

Do ponto de vista lógico-racional, portanto, a decisão de Eduardo Leite de não construir o entendimento com o PT para derrotar o fascismo mostra-se um equívoco primário, pois praticamente sacramenta sua derrota em 30 de outubro.

O cálculo político que Leite fez, entretanto, não é matemático; é biográfico. Ele avalia que não conseguirá se reeleger, mesmo com a ajuda do PT. E nesta circunstância de derrota anunciada, para preservar intacta a biografia de antipetista-raiz, ele prefere ficar com as “mãos limpas” e “não manchar” sua trajetória apoiando Lula.

Neste momento histórico dramático e trágico do Brasil, tucanos históricos se agigantam ao se juntarem a Lula no movimento em defesa da democracia e da vida contra o fascismo e a barbárie. Eduardo Leite, entretanto, escolhe o outro lado da história, que não é o da humanidade e da civilização.

Leite é a expressão exacerbada do antipetismo, este sentimento odioso de estigmatização dos adversários políticos que são transformados em inimigos a serem exterminados – fenômeno autopsiado pela historiadora Hannah Arendt nos seus estudos sobre as origens do totalitarismo, do fascismo e do nazismo.

O antipetismo é um instrumento e uma ideologia de poder. O antipetismo está na base do processo profundo e profundamente entranhado de fascistização das instituições e da sociedade brasileira.

Reforçar o antipetismo, como fez Eduardo Leite, portanto, é escolher um lugar muito distante da falsa “neutralidade”, pois significa estar ao lado do fascismo e ser adepto das práticas deploráveis de ódio, intolerância e violência política.

Eduardo Leite é um político jovem, mas seu futuro já está marcado com esta mancha indelével. Ele se transformou num político raquítico, sem transcendência, da estatura do rebotalho que jaz no caixão do “novo” PSDB.

JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

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