Por Miranda Sá

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, muda-se o ser, muda-se a confiança” (Camões)

Muitos anos atrás, no meu tempo de repórter político cobrindo a Câmara dos Deputados ainda no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, corria uma piada sobre os parlamentares mineiros. Exemplificavam um deles que ficava quase sempre em cima do muro, e que o seu voto não era sim, nem não, mas pelo contrário…

Foi mais o que se viu no voto estendido por quatro horas do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, sobre um recurso que questionava uma decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Apesar da origem do recurso Toffoli iniciou a sua intervenção dizendo que “aqui não está em julgamento o senador Flávio Bolsonaro; e que a sua decisão monocrática paralisante da Justiça, atingiu apenas “poucos processos”.

Primeiro, não viu que, por interesse profissional, estava presente na sessão o advogado de Flávio Bolsonaro e que ninguém iria deduzir que mesmo que fossem meia dúzia de processos a Justiça havia sido prejudicada. Na verdade, foram 935 processos brindados com os dados do Coaf.

Encerrados os trabalhos no plenário do STF, correspondentes que faziam a cobertura da sessão, publicaram que o ministro Luís Roberto Barroso disse que chamaria um “professor de javanês” para explicar o resultado do voto relatado.

Os que traduziram, entretanto, dizem que o antigo advogado do PT quer impor limites para a atuação da Receita Federal e do antigo Coaf, transferido a pedido dele e feito pelo presidente Jair Bolsonaro e rebatizado como UIF.

Quem ouviu, ou leu mais tarde, comprovou que Toffoli, na sua dicotomia empolada não recuou na tentativa de acessar ilegalmente dados sigilosos dos contribuintes listados no sistema do antigo Coaf, atentando contra a Constituição.

Quatro horas foi tempo gasto, bastante para uma autocrítica, o reconhecimento de um equívoco e, quem sabe, voltar atrás com uma certa dignidade, mas isto não ocorreu. Se conhecesse o filósofo Millôr Fernandes teria aprendido que “quem mata o tempo não é um assassino: é um suicida.”

O verbete Tempo, dicionarizado, é um substantivo masculino de origem latina (tempus, oris) significando uma série ininterrupta e eterna de instantes e, após a invenção da ampulheta, avó do relógio, uma medida arbitrária da duração das coisas.

Mário Quintana, o inesquecível poeta gaúcho, filosofou que “o mais feroz dos animais domésticos é o relógio de parede: conheço um que já devorou três gerações da minha família.”

A determinação de uma época nos faz olhar para o passado e pensar no futuro, dando-nos o ensejo de pensar como mudaram os tempos para pior no Brasil; da Academia Brasileira de Letras que se empobreceu de valores, até ao Congresso, invadido por uma orla de aproveitadores – com honrosas exceções -, e ao Supremo Tribunal Federal, onde alguns ministros se esforçam para desacreditá-lo.

Isso nos leva a meditar como Gandhi, que ensinou aos seus discípulos que “o futuro dependerá daquilo que fazemos no presente. ”

Vivemos um tempo de perigo, com a Nação insegura pelo descrédito na Justiça e na Política. É chegada a hora de pensarmos nisto.

Está ficando insuportável para os brasileiros que querem legar um País democrático, justo e desenvolvido para os pósteros, se reunir, discutir e traçar um projeto para nos libertar desta situação.

Só a conscientização do povo nos apontará o caminho.