Redação

Nos últimos 55 dias, a Brasil Paralelo foi a página que mais gastou com anúncios políticos, eleitorais ou de temas sociais no Facebook. A produtora desembolsou um total de R$ 328.777,00 para a rede social impulsionar suas postagens do dia 4 de agosto para cá.

A Brasil Paralelo foi fundada em 2016, em Porto Alegre, pelos sócios Lucas Ferrugem, Henrique Viana e Felipe Valerim. “Nós começamos com R$ 13 mil de dinheiro próprio, nos trancamos em uma salinha de 8 m² e nos endividamos com mais R$ 40 mil em empréstimo e deu certo”, conta Ferrugem.

IMPULSIONAMENTOS – Hoje, com escritório amplo na Vila Olímpia, bairro nobre de São Paulo, os impulsionamentos de R$ 328 mil no Facebook e gastos, segundo eles, de mais de R$ 2 milhões para produzir e divulgar cada filme fazem o capital inicial parecer uma brincadeira.

Ferrugem explica que todos os custos da empresa são pagos com mensalidades de membros. A Brasil Paralelo tem dois planos de assinatura, um de R$ 10 e outro de R$ 49, que dão acesso a conteúdos exclusivos e palestras. “A gente nunca nem sacou monetização do YouTube”, afirma ele sobre outras possibilidades de financiamento. A ênfase, entretanto, é sobre o fato de não usar recursos públicos. Segundo ele, a empresa já tem 115 mil assinantes e a meta é atingir 1 milhão até o fim de 2022.

Especializada em grandes produções que tentam passar a limpo marcos históricos, a Brasil Paralelo também coleciona controvérsias exatamente por tentar mudar acontecimentos consolidados nos livros. Por duas vezes, a empresa teve problemas com parceiros comerciais.

PEDIDO DE DESCULPAS – No ano passado, a pré-estreia de 1964: O Brasil entre armas e livros foi seguida de um “pedido de desculpas” da Cinemark ao público, que dizia ter errado ao liberar a exibição de um filme com “cunho político”. O comunicado gerou revolta entre políticos da direita e houve ameaça de boicote nas redes.

Já em 2020, a produtora entrou na mira da Sleeping Giants, uma versão brasileira da página americana que cobra anunciantes que veiculam propaganda em sites que supostamente divulgam fake news e discurso de ódio. A Hotmart, sistema de pagamento usado até então pela Brasil Paralelo, foi emparedada e resolveu encerrar o contrato com vários clientes, incluindo eles.

Uma das primeiras polêmicas da Brasil Paralelo foi quando, em 2018, o então candidato Jair Bolsonaro usou um filme da produtora para atacar a lisura do processo eleitoral brasileiro. Ferrugem diz que a ideia era questionar a possibilidade de auditar as urnas eletrônicas e afirma que a produtora apenas fez um compilado de informações já divulgadas. Uma checagem do Projeto Comprova, coalizão de veículos de mídia da qual o Estadão Verifica faz parte, aponta que as urnas não só são auditáveis, como já foram auditadas após as eleições de 2014.

PANDEMIA – Esse não foi o último filme deles que Bolsonaro ajudou a divulgar. Em julho, quando o País registrava mais de mil mortos por dia pelo coronavírus, o ilustre espectador foi fotografado enquanto assistia a 7 Denúncias: As consequências do caso covid-19. A imagem publicada por Eduardo Bolsonaro, que já virou um garoto propaganda da empresa, mostrava o pai, Jair, acompanhando o documentário que critica a atuação de governadores e prefeitos no combate à pandemia e a algumas recomendações da OMS como o isolamento social e o uso de máscaras.

Uma produção da empresa também fez parte da programação da TV Escola, que é ligada ao Ministério da Educação, pouco tempo antes de Abraham Weintraub deixar a pasta. A Brasil Paralelo disse na ocasião que não recebia “um centavo de dinheiro público” e que cedeu gratuitamente a exibição do documentário. De fato o contrato assinado com o MEC, divulgado pelo site O Antagonista, deixa isso claro e não há qualquer registro de pagamentos do governo federal para a empresa no Diário Oficial da União.

O maior entusiasta da Brasil paralelo, porém, é o filho zero três do presidente. Eduardo Bolsonaro fez, desde setembro de 2017, 69 postagens no Facebook sobre a produtora que vão desde a divulgação dos filmes, até um chamado para que seus seguidores façam assinaturas da empresa.

PUBLICAÇÕES – No mesmo período, ele fez 79 publicações com a palavra corrupção e 50 com a palavra arma (que inclui as variáveis armas, armar, armado, desarmado, desarmar), temas caros ao bolsonarismo. Eduardo chegou até a usar os filmes da Brasil Paralelo como referência para se preparar para uma possível sabatina no Senado, que nunca aconteceu, quando ele ainda era cotado para assumir a embaixada brasileira em Washington, nos Estados Unidos.

“Tenho estudado para a sabatina e isso inclui estudar a história nacional. Assim, tenho revisto episódios do @brasilparalelo sobre a história do Brasil”, disse o deputado em seu Twitter.Lucas Ferrugem diz que não tem proximidade com o governo.

“O Eduardo é membro premium, se não me engano. Ele realmente divulga bastante nossos conteúdos, mas o fato é que nós temos uma relação inexistente”, explica ele. Apesar de o guru Olavo de Carvalho, além de outros nomes célebres da direita, já terem sido entrevistados por eles, e os filmes agradarem a políticos bolsonaristas, Ferrugem diz que as pautas do governo não influenciam nos temas abordados, mas confessa ter simpatia por Bolsonaro.

VALORES EM COMUM – “Eu acho que ele defende muitos valores que eu também defendo.Quando ele se manifesta contra o autoritarismo, contra ditaduras, eu acho ótimo. Eu também sou anticomunista, eu acredito que isso é uma coisa horrível, isso me representa bem”, afirma ele.

Sobre a atuação dos Bolsonaro, ele diz que não conhece o que se passa em Brasília, mas que se mantém informado pela mídia e principalmente pelas redes sociais dos políticos. “Eu torço para que tudo dê certo, mas não é como se eu estivesse apostando todas as fichas nesse cavalo”, conclui ele sobre o governo.


Fonte: Estadão