Por Bruna G. Benevides

Há poucos registros sobre as pessoas trans que fizeram e fazem parte de diversos momentos importantes da história do Brasil. Muitas pioneiras nos deixaram e com elas perdemos suas memórias. De acordo com Amara Moira, as produções de pessoas trans na literatura tem inicio nos anos 80, com o primeiro livro escrito pela Ruddy Pinho e que até 2019 constam com cerca de 74 títulos[1].

E a partir da necessidade mantermos nossa memória sempre vivida, construí uma linha do tempo com alguns marcos e conquistas ao longo da história do movimento LGBTI+ do Brasil com foco nas pessoas trans e, seguindo a mesma ideia, resolvi organizar essa lista de filmes para celebrar e relembrar os caminhos que temos trilhado. Além de pensar sobre onde queremos chegar sob a ótica do ativismo, seja pista, nas artes, na política ou nos bas-fonds — onde tudo acontece.

Escolhi listar onze longas biográficos, que mostram as memórias de travestis e mulheres transexuais, algumas in memorian e outras que seguem ativas na luta, que fazem parte de momentos históricos sobre a luta das pessoas trans no Brasil, onde suas vidas muitas vezes se confundem com a própria história que ajudaram a escrever.

Os filmes trazem diversas semelhanças para além da transgeneridade de suas protagonistas. Eles contam as histórias de vida e de luta dessas mulheres, nos fazendo pensar nas urgentes reflexões que suas trajetórias nos revelam.

Vamos lá?

Dores de amor (1987)

Corajosas! Enfrentaram toda a hipocrisia de uma sociedade machista e preconceituosa nas décadas de 70, 80 e 90. Nesse documentário memorável, temos a oportunidade de conhecer e ouvirmos o depoimento de travestis lendárias como Condessa Mônica, Andréa de Maio e a belíssima Thelma Lipp. Travestis brasileiras, ícones de todos os tempos. (Disponível no youtube)

Meu amigo Claudia (2009)

A trajetória da travesti Claudia Wonder, que marcou a cena cultural paulistana dos anos 1980. Ícone da cena underground, começou sua carreira artística fazendo shows em boates e logo estreou no teatro e no cinema. Ainda adolescente contracenou com grandes nomes nacionais. Atuante em múltiplas vertentes, como música e cinema, sempre foi engajada em causas da liberdade sexual. (Disponível no Vimeo)

Janaína Dutra — Uma Dama de ferro (2011)

Este filme conta a história de vida e luta política de Janaína Dutra, a 1ª Advogada Trans do Brasil. Amigos, amigas e familiares relembram fatos e momentos da vida de alguém que, com muita coragem e sabedoria, soube mobilizar resistência e a luta das travestis por seus direitos humanos. (Disponível no youtube)

Kátia (2013)

Este documentário conta a história da primeira travesti eleita para um cargo político no Brasil em 1992. Além de mostrar como nasceu Kátia Tapety, o filme nos apresenta a trajetória política da travesti piauiense que lidou com o preconceito na infância, que hoje é reconhecida e respeitada entre seus conterrâneos. Ela foi a vereadora mais votada de seu município por três vezes consecutivas e chegou a vice-prefeitura da cidade de Colônia do Piaui, entre 2004 e 2008. Hoje com 70 anos, Kátia segue nos inspirando e é uma pessoa muito querida por todes que a conhecem. (Disponível no youtube)

Meu nome é Jacque (2016)

A história de vida de Jaqueline Rocha Côrtes, uma mulher transexual brasileira, que vive com Aids há mais de 20 anos. Militante pela causa, Jacque tem a vida marcada por lutas e conquistas, chegando a trabalhar como representante do governo brasileiro e na Organização das Nações Unidas. Atualmente, é casada e mãe de dois filhos, mora em uma pequena cidade e leva uma vida voltada para a maternidade, família e espiritualidade. (Disponível no Vimeo)

Laerte-se (2017)

Retrata a trajetória da cartunista e chargista brasileira Laerte, considerada uma das mais proeminentes do gênero no Brasil. O primeiro documentário original produzido pela Netflix no Brasil trouxe um tema realmente especial: a vida, obra e transformação atravessada pela cartunista Laerte Coutinho. O filme foi anunciado como “uma jornada introspectiva por dentro da mente de uma das personalidades mais criativas” do Brasil. (Disponível na Netflix)

Luana Muniz — Filha da Lua (2017)

Luana Muniz tem uma rotina dividida entre a prostituição, a militância LGBT e shows em cabarés. Depois de participar de uma reportagem para a TV no programa “Profissão Repórter”, ficou conhecida em todo o Brasil como a “Rainha da Lapa” e agora tem sua intimidade revelada nesse documentário.

Um atentado violento ao pudor (2018)

O filme aborda as conexões entre a vida de Keila Simpson e o movimento social das travestis. Conta com a participação de diversos nomes importantes do movimento trans. Dirigido pela própria Keila e por Gilson Goulart, o documentário também retrata as estratégias traçadas pelo movimento e suas militantes que “evidenciam, ao invés de um empoderamento tutelado, um ativismo emaranhado com autonomia, solidariedade e estratégias educativas”, de acordo com a avaliação dos idealizadores. (Disponível no youtube)

Bixa Travesty (2018)

O corpo político de Linn da Quebrada, cantora transexual negra, é a força motriz desse documentário que captura a sua esfera pública e privada, ambas marcadas não só por sua presença de palco, mas também por sua incessante luta pela desconstrução de esteriótipos de gênero, classe e raça.

Indianara (2019)

Revolucionária por natureza, Indianare Siqueira lidera um grupo de pessoas LGBTI+, especialmente pessoas trans, que lutam pela própria sobrevivência em um lugar tomado por preconceito, intolerância e polarização. Desde disputas partidárias até o puro combate contra o governo opressor, a ativista de origens humildes passou por uma longa trajetória até se tornar um ícone do movimento LGBTI+. Traça a história de um ícone do movimento trans, que fundou o Preparanem e a Casanem (1ª Casa de acolhimento LGBTI+ do Rio de Janeiro). O filme foi destaque e concorreu em Cannes, além de ter sido premiado em diversos festivais. Há uma versão reduzida no Canal Futura intitulado NEM, mas ainda não está disponível em plataformas gratuitas. Encontra-se disponível no ApleTv, Now, Vivo Play, Google Play e Youtube (pago).

Maria Luiza (2019)

Maria Luiza da Silva é uma militar transexual, pioneira na história das forças armadas brasileiras. Após 22 anos de trabalho como militar, foi aposentada por invalidez. O filme investiga as motivações para impedi-la de vestir a farda feminina e a sua trajetória para o reconhecimento de sua identidade de gênero.

Bônus:

Cuba libre (2014)

Phedra de Córdoba foi uma atriz transexual, nascida em Cuba, mas exilada no Brasil há mais de cinco décadas. As razões de sua partida foram a incompatibilidade com o regime de Fidel Castro e a profunda transfobia vigente na ilha. Décadas depois, Phedra retorna a Cuba para descobrir as transformações do país, na época em que a filha de Fidel, Mariela, luta por uma maior aceitação de gays, lésbicas, transexuais e transgêneros.

DIVINAS DIVAS (2016)

As Divinas Divas são ícones da primeira geração de artistas travestis no Brasil desde os anos 1960, no auge de Ditadura Militar. Um dos primeiros palcos a abrigar as travestis foi o Teatro Rival. O filme traz para a cena a intimidade, o talento e as histórias de uma geração que revolucionou o comportamento sexual e desafiou a moral de uma época centrado nas histórias de Rogéria, Valéria, Jane di Castro, Camille K, Fujica de Holliday, Eloína, Marquesa e Brigitte de Búzios, que formaram o grupo que testemunhou o auge da Cinelândia repleta de cinemas e teatros.

Rogéria (2018)

O documentário conta a vida e a trajetória artística da controversa Rogéria, a partir da dualidade entre artista e personagem. Passando por todos os momentos da vida da travesti, o filme mescla dramatizações de etapas de sua vida e depoimentos de artistas brasileiros, como Betty Faria, Jô Soares e Bibi Ferreira.

REFERÊNCIA

[1] Lista dos livros escritos por pessoas trans. https://twitter.com/caianagandaia2/status/1277686393385484289


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